dezembro 30, 2010

O riso de um louco

Amargo, enlouquecedor. Eu desejei que nossos olhos se fechassem para esses gritos. Desejei que os sonhos terminassem, mas agora tudo só parece se afundar mais e mais.
Ele chorava. O corpo já sem movimentos se contorcia para se livrar do que o mantinha seguro. A voz rouca e chorosa ciava o passado em emendas sem sentido. Bradava, soluçava, xingava. O fél escorria corrosivo de seus lábios enquanto ele parecia um bebê.
Ele chamava por ajuda quando o tentávamos acalmar, como se nós fôssemos os vilões. Como se nós o torturássemos, ele praguejava. Ameaçava. Chorava. Clamava. Ria.
O riso desesperado de um louco, quebrando-se contra nós, afogando-nos em desespero nas paredes do quarto fétido.
Amargo. Enlouquecedor. A angústia de vê-lo sofrer carcomia nossas entranhas, repintava e rasgava nossas feições enquanto tentávamos salvá-lo.
Ele chorava. Chorava e se debatia ainda mais; bradando e ameaçando pessoas erradas, torturando-as com seu choro algoz.
O riso desesperado de um louco, piorando a escuridão.

dezembro 26, 2010

Odeio você;

Eu amo você. Amo como completa minhas frases, como gosta das mesmas coisas que eu. Amo seu rosto, sua alma. Amo como usa o cabelo e como faz eu me sentir completa. Eu amo você. Amo cada pedacinho seu. Amo quando digo que te odeio e você me chama de linda. Amo o jeito que as palavras se moldam nos seus lábios.
Eu amo seu cheiro, amo quando me irrita e quando briga comigo. Amo quando é imprudente, e amo mais ainda quando é sensato e adulto. Amo quando me desobedece e pede desculpas com bicos. Amo quando é manhoso comigo, quando me surpreende, quando prova que só posso ser sua e de mais ninguém.
Amo quando me toca, e quando está comigo. E amo quando diz que me ama. Amo quando se atrasa, ou quando chega cedo demais. Amo como você pisa no meu pé e me morde pra provocar.
Eu amo você. E nunca houve dúvidas disso.
Eu odeio você. Odeio como ignora coisas simples, odeio quando se acha inteligente demais. Odeio você quando brigamos, e você me chama de amor. Odeio você quando se deixa levar, quando deixa que te machuquem. Odeio quando você me machuca. Odeio quando me surpreende. Odeio quando torna as coisas mais difíceis e menos prováveis. Odeios quando escolhe por nós dois. Odeio quando não penteia o cabelo, quando não é sincero e quando inventa desculpas. Odeio quando escreve errado. Odeio quando digo que odeio você, e você me chama de linda. Odeio quando você faz eu querer te bater.
Mas eu amo você. E nunca houve dúvida dentro de mim. E eu amo você, e não sei se posso existir num mundo em que você não exista.
Eu odeio você.

dezembro 25, 2010

Segredo

E o que diriam se soubessem? E o que fariam se também fizessem parte disto? Poderiam eles continuar castigando, se soubessem? Poderíamos nós, contar a verdade?
Eu não suportaria. Nenhum de nós aceitaria as palavras jorrando e os sentimentos sendo compartilhados.
Então a dor deve continuar. O chicote continuará estalando, queimando nossos corpos e arrebentando nossa carne, nossos sonhos. Mas manteremos o sigilo, não sucumbiremos à dor.
E o que diriam se soubessem? E como nos comportaríamos se eles soubessem? Então, que gritem os chicotes, e que cantemos nossa dor com sangue.
Poderiam eles continuar nos castigando, se soubessem?

- J.

dezembro 24, 2010

Papai.

A voz rouca me gritou, suplicante pela minha presença. Entrei no quarto e encostei a porta às minhas costas. O olhar do homem me surpreendeu por alguns instantes e, inclinando a cabeça para o lado como uma criança curiosa, falou algo que não pude entender.
- Até que horas você trabalha?
Torci os lábios, atrás de algum sinal de que ele me reconhecesse. Mas tudo o que habitava seus olhos era a curiosidade, cintilante diante da pessoa desconhecida.
Tomei a mão do velho entre as minhas e a beijei carinhosamente.
- Eu não trabalho, papai.
Ele levou a mão livre às têmporas e falou algo, que novamente, não fez sentido. Algo queimou em meus olhos enquanto um nó firme se formava em sua garganta.
Os olhos do homem perderam o foco enquanto ele passava a mão livre no rosto de forma agoniada. A mão dele entre as minhas se contraiu.
- Cante pra mim. - Foi tudo o que ele pediu.
Mas o nó ainda estava ali quando comecei a sussurrar uma música em outra língua, uma que ele gostava quando ainda tinha consciência de quem era. A música perguntava por quanto tempo teríamos de continuar a cantar. As lágrimas brotaram duras em meu rosto, marcando-o como ferro quente.
- Você canta como a sua tia. - Ele sorriu, e pela primeira vez houve sinal de reconhecimento.
- Eu amo você. - Foi tudo o que pude responder enquanto acariciava o rosto dele.
Os olhos perderam o foco de novo, e a língua dele se enrolou numa resposta dolorida, sem sentido.
Carinhosamente, comecei a coçar suas costas de leve. Ele sorriu e murmurou algo entre dentes. Seus olhos claros se fecharam por um segundo, e então quando ele me olhou, sonolento e pouco consciente, tocou meu rosto com a ponta dos dedos, sobre os quais não tinha quase controle nenhum.
- Isso é tão bom... Sinto vontade de dormir.
- Dorme, papai. Eu vou ficar aqui do seu lado.
Houve silêncio, e ele fechou os olhos novamente. Voltei a cantarolar a música, as lágrimas contidas por alguns segundos.
Os olhos verdes voltaram a abrir-se, sem vida própria e sem reconhecimento. Ao encontrarem os meus, ele passou a mão desesperadamente pelo rosto.
- Quem é você? - Perguntou numa voz baixa e cheia de medo. Não ousei respondê-lo, apenas beijei sua testa e saí do quarto, deixando as lágrimas voltarem a meus olhos e machucarem minha pele.
Demorei para entender realmente o que tinha acontecido. Demorei pra interpretar que na noite mais feliz do ano, o meu próprio pai não me reconheceu. Demorei pra absorver que daqui pra frente, não há melhoras, e que, sempre que ele me chamar, existe a chance de não saber quem sou.
Então deixei que as lágrimas brincassem em meu rosto. E não vou pará-las. Não vou tentar conter o inevitável.
Choro. Choro porque o amo. Choro porque preciso dele. Choro porque ele não sabe mais quem sou.

outubro 20, 2010

Escolhas

Como as palavras conseguiram me ferir tanto?
Era como se todo o trabalho fosse jogado ao vento, tornado-se vão e substituível.
Sentimentos podem matar - total certeza ao afirmar isso. Vamos especificar: o Amor pode matar.
Não é como se tudo fosse se solucionar em questão de minutos. É como se tudo o que fiz até aqui não valesse a pena. Como se fosse muito fácil apagar tudo o que senti e vivi.
A dor não mata, ela faz parte da morte, antecede a morte. A dor apenas busca amenizar a morte. O esquecimento é tão pior do que a dor... Ah, é sim.
Imagine uma cidade de noite, toda iluminada. Imagine as luzes se apagando pouco a pouco. Tornando-se foscas e depois apagadas, até a escuridão tomar conta do seu espírito. É isso o que acontece depois da dor, da rejeição.
Jogue fora mesmo todo o seu trabalho. Faça isso para eles te aceitarem e para as luzes durarem mais um pouco depois da dor.
A dor é preferível quando se vê as coisas dessa forma. Melhor do que não sentir nada, não acha?
Melhor jogar eu mesma o trabalho fora. Melhor eu mesma torná-lo vão e substituível. Melhor eu mesma contribuir com a dor para o final. Melhor eu mesma tomar as decisões que cabem a você.
E valerá a pena? De qualquer forma, em algum momento, todas as luzes não se apagarão? De qualquer forma, em algum momento, vou sumir da memória de todos? Não é assim que as coisas funcionam?
- Ah, é sim.
Deixe-me então com meu trabalho, com meus projetos, com minhas ambições e formas de lidar com a vida.
Minhas palavras, meus sentimentos, minha maneira de reconhecer o mundo. Que a dor se estenda por muito tempo, pois não sei se suportaria a escuridão.
J. Silva

agosto 16, 2010

Suícidio.

Passou a lâmina fria pelos dedos trêmulos. Dentro de seu corpo algo gritava pelo sangue, pela dor, pela vida. Era uma contradição ambulante, precisava sentir a morte para se encontrar com a vida.
A lâmina passou pelo pulso, congelada, decidida. O lábio inferior parecia reclamar, pulsava cada vez mais forte contra o aperto dos dentes enquanto a pele era rasgada.
Um filete vermelho tingiu onde a faca havia passado, pulsante, irritada pelo frio. Tanta dor para um arranhão!
Direcionou a faca para onde o arranhão parecia mais profundo e deixou que a ponta perfurasse a carne. Arrastar a faca, era só isso o necessário. E foi o que fez, apesar da dor física e dos gritos dos Querubins.
O sangue escorria pelo pulso dolorido, manchava e confundia corpo e faca.
Os lábios se entreabriram para um grito de dor enquanto a faca saia sa carne. O pulso tombava colorido de vermelho. A faca jazia na mão boa, ainda não pronta para descansar.
Com a mesma faca que lhe cortara a carne, cravou o peito sem mais forçar para gritar, ou para procurar vida.
Uma risada. Foi o que ecoou pelo cômodo vermelho antes do coração dar-se por vencido e parar de emanar vida.
A visão do que procurava surgiu como vapor, embaçada demais pela Morte.
Opostos não podem permanecer por muito tempo juntos. Vida e Morte não seriam uma excessão. Deveria ter contado isso antes.
- J.

agosto 15, 2010

Vazio

Preciso chorar. E eu quero chorar. Mas não sei se tenho coragem de me deixar sentir as lágrimas, de deixar elas marcarem meu rosto com o que sinto. Tenho medo das cicatrizes. Tenho medo do que vem depois delas.
E não há um caminho que me leve pra fora daqui, todos eles só me afogam mais e mais. Só me fazem queimar por dentro, só consomem minha alma.
E eu quero ser forte e encarar tudo isso com um sorriso enorme, mas a solidão é tão mais forte! Como me sinto sozinha, Deus!
O pior de tudo, o que torna o vazio mais insuportável, é toda essa gente ao meu redor. É saber que elas vão rir quando eu demonstrar que estou mal, saber que vão me chamar de louca quando eu chorar (aparentemente) sem motivos, saber que de todas elas, nenhuma vai entender o motivo das minhas lágrimas.
E o que resta? Notas musicais soando pelo corredor e quebrando-se contra a porta. Impenetrável, inviolável. Tudo isso mata aos poucos. Mata deixando as coisas não entrarem, não se aproximarem de mim. E no fim, não há como seguir em frente, porque todas as portas são como essa - invioláveis.
Dentro só existe fome. Dentro de mim só existe fome. Fome de sentidos, de amor, de sentimentos e de algo pra fazer o sangue correr. Algo pra aquecer e pra me manter viva. É isso tudo o que falta.
E o silêncio ecoa pelo quarto, matando qualquer esperança de vida fora daqui. É assim que pessoas matam. É assim que pessoas morrem.
- J.

agosto 03, 2010

Fell it.

E então ele estava ali. Seus olhos se iluminaram quando a encontraram. Os braços se enlaçaram em corpos conhecidos - reconhecidos e tudo fluiu como se fosse muito natural.
Não era natural. Era como se eles saissem do planeta, do universo, da galáxia! Era como se só existissem os dois parados ali. Só o calor suave dos corpos, só os cheiros se confundido.
Ela suspirou. Ele também.
Os lábios se tocaram com urgência enquanto as mãos desenhavam contornos imperfeitos em corpos conhecidos - reconhecidos. Houve uma estrondo ao longe, que os fez rasgar o infinito e retornar ao ponto inicial.
Corpos separados e intactos. Olhos presos e concentrados em desejos imperceptíveis.
A distância os mataria.
A distância os matava pouco a pouco. O frio também. Sim, sem o calor trocados pelos corpos não havia sensações. Havia o frio. Havia a dor da separação.
Havia também o silêncio de pedra. O silêncio que matava, que separava.
- Pra sempre ... - Ela sussurrou delicada, longe o bastante para que as palavras jamais tocassem os ouvidos do outro.
- ... seu - Ele completou junto à ela, enquanto a mesma completava a frase de forma semelhante.
Apesar da distância, dos corpos separados e do frio que abraçava seus corpos, eram um do outro. Ninguém jamais mudaria isso.
Pra sempre - não parecia tempo demais pra corações comprometidos com o Amor.

abril 04, 2010

Espetáculo

Linhas tortas, sinuosas. Lembranças escuras, apagadas. É assim que tudo termina, com um ponto final mal desenhado, rabiscado.
E acaba com todos os sonhos se diluindo em dor, falsidade. Tudo acaba com um último suspiro. Fácil demais pra um último suspiro. Longo demais pra um último suspiro. E por fim, todas as cortinas se fecham, o show é encerrado sem um aceno, um afago da platéia. E os atores que contracenam com você, se esqueceram de como sua face é quando as cortinas se fecham, as lembranças irão, e você não poderá fazer nada.
A luz escorrerá por seus olhos, molhando seu corpo, borrando seus traços. Será leve, suave e indolor. Não haverá motivos pra querer desistir da morte, nem para querer partir dela. Porque nesse momento você apenas vai descobrir que foi por ela que você esperou a vida inteira. E ali está Ela, de braços abertos te convidando pro final.
Linhas tortas, sinuosas. Lembranças escuras, apagadas. É assim que o final chega, sussurrando coisas que você não quer ouvir, te lembrando de detalhes esquecidos. Trazendo à tona tudo o que você enterrou durante anos. E então tudo te sufoca, e te leva pro caixão junto. Um ponto final mal desenhado, rabiscado.
J. Silva