dezembro 24, 2010

Papai.

A voz rouca me gritou, suplicante pela minha presença. Entrei no quarto e encostei a porta às minhas costas. O olhar do homem me surpreendeu por alguns instantes e, inclinando a cabeça para o lado como uma criança curiosa, falou algo que não pude entender.
- Até que horas você trabalha?
Torci os lábios, atrás de algum sinal de que ele me reconhecesse. Mas tudo o que habitava seus olhos era a curiosidade, cintilante diante da pessoa desconhecida.
Tomei a mão do velho entre as minhas e a beijei carinhosamente.
- Eu não trabalho, papai.
Ele levou a mão livre às têmporas e falou algo, que novamente, não fez sentido. Algo queimou em meus olhos enquanto um nó firme se formava em sua garganta.
Os olhos do homem perderam o foco enquanto ele passava a mão livre no rosto de forma agoniada. A mão dele entre as minhas se contraiu.
- Cante pra mim. - Foi tudo o que ele pediu.
Mas o nó ainda estava ali quando comecei a sussurrar uma música em outra língua, uma que ele gostava quando ainda tinha consciência de quem era. A música perguntava por quanto tempo teríamos de continuar a cantar. As lágrimas brotaram duras em meu rosto, marcando-o como ferro quente.
- Você canta como a sua tia. - Ele sorriu, e pela primeira vez houve sinal de reconhecimento.
- Eu amo você. - Foi tudo o que pude responder enquanto acariciava o rosto dele.
Os olhos perderam o foco de novo, e a língua dele se enrolou numa resposta dolorida, sem sentido.
Carinhosamente, comecei a coçar suas costas de leve. Ele sorriu e murmurou algo entre dentes. Seus olhos claros se fecharam por um segundo, e então quando ele me olhou, sonolento e pouco consciente, tocou meu rosto com a ponta dos dedos, sobre os quais não tinha quase controle nenhum.
- Isso é tão bom... Sinto vontade de dormir.
- Dorme, papai. Eu vou ficar aqui do seu lado.
Houve silêncio, e ele fechou os olhos novamente. Voltei a cantarolar a música, as lágrimas contidas por alguns segundos.
Os olhos verdes voltaram a abrir-se, sem vida própria e sem reconhecimento. Ao encontrarem os meus, ele passou a mão desesperadamente pelo rosto.
- Quem é você? - Perguntou numa voz baixa e cheia de medo. Não ousei respondê-lo, apenas beijei sua testa e saí do quarto, deixando as lágrimas voltarem a meus olhos e machucarem minha pele.
Demorei para entender realmente o que tinha acontecido. Demorei pra interpretar que na noite mais feliz do ano, o meu próprio pai não me reconheceu. Demorei pra absorver que daqui pra frente, não há melhoras, e que, sempre que ele me chamar, existe a chance de não saber quem sou.
Então deixei que as lágrimas brincassem em meu rosto. E não vou pará-las. Não vou tentar conter o inevitável.
Choro. Choro porque o amo. Choro porque preciso dele. Choro porque ele não sabe mais quem sou.

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