março 21, 2011

Estava tudo tão frio e desconfortável que ela podia jurar que a Cidade mandava um aviso.
A Cidade dizia por entre o murmúrio do vento, repetia um milhão de vezes a mesma frase, jogando-a contra o rosto dela, revirando-lhe os pensamentos e adormecendo a mente.
Talvez seu tempo tenha passado, talvez seja hora de não só virar a página, mas mudar o livro.
E a voz cantante da Cidade, iluminada por faróis, semáforos e postes, choramingava, súplicava... Ordenava mais do que tudo. Ordenava que se mudasse o livro.
Jamais gostara de livros, a metáfora não entrava em sua mente, e mesmo com todo o frio inexplicável do verão e com toda a melodia que a cidade insistia em lhe cantarolar, não absorvia o aviso.
E não absorvia o aviso... Não sabia absorver. Faltava-lhe o conhecimento e o reconhecimento. Faltava-lhe o dom de saber que era hora de seguir em frente, mesmo que a Cidade não a tivesse avisado.
E continuava. Ia todos os dias aos mesmos lugares, revia os mesmos amigos - já cheios de amigos novos - em lugares que antes pertenciam a ela, lia os mesmos livros e não entendia as mesmas coisas. Chorava e irritava-se pelos mesmos motivos, continuava perdida em meio a sentimentos obsoletos e não correspondidos.
Obsoleta ela havia se tornado. E a Cidade cantava.
E ela não entendia.
E o frio açoitava-lhe o corpo e a alma.
E houve gelo. Houve neve. Houve um milhão de motivos, nenhum deles ela soube ouvir ou entender.
Houve o frio e houve o calor que ela não sentia. Houve a Cidade cantando, repetindo sempre a mesma frase.
Talvez seu tempo tenha passado...
E passou. Passou, e ela não soube nem virar a página. Manteve-se vidrada no passado, presa a sentimentos e recordações que dependiam de sua alma para sobreviver. E eles sugaram-lhe a alma.
E houve que "uma mulher foi encontrada congelada em seu apartamento". Houve que era verão quando isso aconteceu. Houve que, em seu peito, ao invés de um coração, encontraram um baú cheio de memórias envelhecidas e manchadas de sangue e de vento.
Houve o fim. E não havia mais nada.

março 01, 2011

Pai

É estranho como as palavras somem quando as procuramos. Estranho como para algumas pessoas, não há definição. Estranho como algumas pessoas, simplesmente, se tornam parte de nós e mudam nossas vidas completamente. E, para algumas pessoas, simplesmente não há definição, para algumas pessoas, só palavras jamais serão o suficiente, pois o que significam para nós, o que se tornam para nós, é maior do que qualquer palavra conhecida pelo homem.

Meu pai foi uma dessas pessoas indescritíveis, indefiníveis. E é, com certeza, é até hoje, alguém que não se pode definir com uma palavra só. Durante os 17 anos da minha vida, ele foi tudo o que pude imaginar: foi o amigo, o irmão, o herói, o exemplo, o caminho, ele foi o PAI, o único que me entendia, que ficava acordado comigo quando eu tinha pesadelos, o único que me socorria com dores de barriga e que ouvia meus sonhos mirabolantes. Meu pai era o único que acreditava, sem medo ou sem mentiras, em todos os meus sonhos. E, juro, que se eu dissesse para ele que 2+2=5, ele acreditaria, porque eu disse.

Papai sempre foi assim, sempre foi o que nos fez acreditar, o que nos deu forças. Sempre foi tudo o que queríamos, tudo o que precisávamos, e acho que nada que eu escreva aqui será suficiente pra explicar isso pra ninguém. Ninguém que não tenha vivido o que vivemos com papai iria entender o que quero dizer.

Ele foi, resumidamente, o homem mais incrível que conheci na vida, e não digo isso por ele ser meu pai, ou por eu amá-lo de forma imensurável. Digo isso, porque ele tinha um brilho natural, ele acreditava em si mesmo, e acreditava em todos que amava. Digo isso porque Papai cresceu superando limites, vencendo desafios e se tornando digno através disso. Diferente de muitos homens que conheço por aí, Papai era bom em tudo o que se dedicava. Ele conseguia ser um bom marido, um bom pai, um bom trabalhador, e conseguia nos amar acima de tudo, nos fazer as pessoas mais felizes do mundo.

Papai tinha uma doçura única, algo que jamais iremos encontrar em lugar nenhum no mundo. Seus olhos eram nossos faróis, e sua força era o que nos mantinha firmes, nos fazia acreditar e seguir em frente. E em cada detalhe dele, Papai se mostrava forte, um guerreiro invejável e cheio de amor.

Meu pai nos ensinou a amar, a nos dedicarmos umas as outras, nos ensinou a lutar por nossos ideais e não deixar qualquer um dizer que o que fazemos não é suficiente, Papai nos ensinou a acreditar, nos ensinou a ousar, a ir além do que esperam, além do que imaginam, além do que nós mesmos podemos acreditar. Talvez esse tenha sido o segredo dele.

Papai tinha seus defeitos, como todo ser humano. Mas, juro, que se tentar me lembrar de um só deles, não consigo. Talvez porque, pra nós, ele tenha sido o melhor, tenha dado o seu melhor. E ele foi o melhor, e sempre vai ser o melhor pai do mundo, independente de como.

Sei que hoje, Papai está cheio de problemas e muito doente, mas acredito que bem no fundo, ele continue sendo esse Pai que eu tanto amo, que nós todos tanto amamos. Acredito que no fundo, ele sabe o quanto o amamos, e o quanto somos loucas por ele. No fundo da alma do Papai, eu tenho certeza de que existe uma marca nossa, assim como na nossa há a marca dele. E sei que não importa onde ele esteja, nós estamos ligados e sempre cuidaremos uns dos outros.

Papai me ensinou a acreditar. E eu acredito. Acredito que ele nunca vá nos deixar de verdade. Acredito que nossa ligação supere barreiras físicas, distância ou morte. Acredito que meu pai, sempre será meu pai e que sempre manterá um olho em nós, que nos guardará e nos protegerá de qualquer mal.

E nós não vamos nos esquecer do que ele fez por nós, de cada lição que nos ensinou com tanto amor e de como se dedicou a nós. Não vamos nos esquecer como ele nos amava, como sorria de um jeito só dele, como nos reconfortava e lutava pela nossa felicidade.

E aqui, novamente, perco as palavras e o rumo do texto. Jamais conseguirei descrever o que meu pai foi, e sempre vai ser para nós. Mas o que acho importante, é que ele sabia o quanto nós o amávamos, e o quanto o amamos e iremos amar sempre. O importante é que papai nos amava, e nos ama também, muito mais do que podemos imaginar.

Podemos ter pedido um pai incrível, mas ganhamos um anjo cheio de amor.

Júlya Silva, 28 de fevereiro de 2011.