dezembro 10, 2011

Seu corpo ardia em culpa. Sentia-se a pior das pessoas. Avaliava o próprio erro, os próprios erros, um milhão de vezes. E a cada vez, o peito apertava-se de uma forma diferente. As sensações variavam entre tristeza, arrependimento e um sentimento de que não podia ser a única errada nessa história toda.
   Varreu o quarto com o olhar até encontrá-lo no canto oposto ao seu. Os olhares se cruzaram por um segundo e ela sentiu-se incapaz de sustentar os olhos dele por mais algum segundo. Fechou os próprios olhos com força como se assim, pudesse apagar a realidade e o que a atormentava. Uma lágrima escorreu pelo canto do olho esquerdo, deslizando pela face até o queixo, onde pendeu e com um último grito de angústia, pingou para o moleton gasto.
   A lágrima pareceu afetar o homem do outro canto do quarto. Ele suspirou, deslizou as mãos pelos cabelos e fechou os olhos, um ar cansado tomando-lhe a face. Coçou a nuca. O olhar não saia nunca da mulher sentada ao lado da cama, no canto mais escuro do quarto.
Era mais do que distância que os separava. Todos os erros, todas as máscaras, todas as verdades escondidas, todas as incertezas e inconstâncias. Tudo... Tudo estava palpável demais naquele quarto.
   O homem apertou os olhos com o polegar e o indicador da mão direita, balançou a cabeça negativamente, como para afastar um pensamento ruim e afrouxou a gravata antes de dar um primeiro passo na direção errada. Ele caminhou até o banheiro. Retirou o terno, lavou o rosto e olhou-se no espelho. E todos os próprios erros o olharam de volta.
   Encolhida no seu canto, ela abriu os olhos ao ouvir os passos dele. Apenas observou-o ir até o banheiro, contendo a esperança de que ele viesse em sua direção. Seu coração, já trincado, espatifou-se em um milhão de pedacinhos incoláveis ao notar que ele estava de costas, olhando o próprio reflexo.
   Talvez, aquela relação tenha sido sempre assim: ambos olhando apenas para si próprios. Os erros acumulando-se dos dois lados até uma das partes quebrar-se. E quebrou-se. O coração dela quebrou-se.
   O silêncio adensava-se nas paredes, escorria delas para o chão. E a dor fazia arder as narinas de ambos.
   A mulher levantou-se ao mesmo tempo que o homem virou-se do espelho. Ele era incapaz de fitar e aceitar os próprios erros sem querer revê-los, consertá-los. E ela era incapaz de continuar ali, com todo aquele silêncio, toda aquela dor e todos aqueles erros fazendo o quarto feder.
   Os olhares se cruzaram novamente. Dessa vez, nenhum dos dois foi capaz de recuar. Ele apoiou-se na pia. Ela deu dois passos para trás, na direção oposta à porta, para a parede, até encostar-se e ter algum sustento.
   Ele soltou a pia. Retirou a gravata e abriu alguns botões da camisa social. Os botões das mangas. Um ou dois botões da fileira que se fazia diante de seu peito. Balançou a cabeça novamente, dessa vez, o gesto se mostrou mais suave. E então ele deu o primeiro passo na direção da mulher.
   O coração dela pareceu recompor-se o suficiente para palpitar. E ela desejou ter mais força para cravar os dedos na parede. Não tinha estrutura para suportar uma nova discussão. Ele parecia entender isso. Seu olhar era branco na direção da mulher.
   E ela entendeu. E soltou-se da parede. E deu um primeiro passo trêmulo na direção dele. E ele deu dois na direção dela, os braços estendendo-se para sustentá-la. E ela deixou-se perder em seu peito, em seus braços, o rosto afundado na camisa social do homem.
   Ele aninhou-a em seus braços. Deslizou uma das mãos pelas costas dela até a cintura, onde a puxou para si, apertando-a em seu peito e desejando reunir todos os cacos restantes dos erros. Acariciou o cabelo da mulher e sentiu as lágrimas dela molharem a camisa branca.
   E o silêncio mudou. Não era o silêncio que fedia e machucava. Era o silêncio que aguçava, que tranquilizava, que dizia que a paz havia voltado a reinar.
   Não importava o quanto errassem um com o outro. O amor era maior. Os erros eram esquecidos porque não precisavam deles. Precisavam apenas da certeza do amor. E o amor era tudo o que tinham. O amor era tudo o que importava. E o amor triunfaria, sempre.
   E ela o amava. E ele a amava. E o ar do quarto amenizou-se, tranquilizou-se, clareou-se. E houve luz. E houve amor.
   E eles se amaram. Amaram porque amavam. E amavam porque amaram. E eram um do outro. E nada mudava isso.

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