novembro 12, 2012

Borrão


            Os dias têm passado muito rápido. Os detalhes passam batidos por mim, bem como todas as sensações. Não há mais aquela emoção, nem toda aquela euforia. Tudo passa direto por mim, tudo é um borrão. E quanto mais eu tento fazer parar, mais rápido as coisas parecem ir.
            - Eu lhe perguntei, meu amor, se você poderia me dar a mão. – A frase foi dita com um sorriso no olhar. Mas a resposta não veio do lado de lá.
            É estranho como as pessoas mais importantes em nossas vidas podem se tornar indiferentes à bagunça que acontece aqui dentro...
            Na verdade, as coisas girando desse jeito só ajudam a confusão na tarefa de dominar minha mente. Tudo é tão confuso... E às vezes dói tanto. É estranho querer pensar, querer entender, e conseguir apenas focar em uma coisa: em quanto éramos bons juntos. Em como funcionava quando estávamos por perto e em como era simples.
            Sem confusão. Sem imagens sem sentido. Apenas palavras desconexas na imensidão do que nutríamos um pelo outro. Apenas os nossos corpos e sussurros que marcaram nossa pele.
            Mas hoje tudo não passa de um borrão. Tenho certeza de ter guardado essas lembranças em algum lugar seguro, para que não me dominassem e não se desfizessem com o tempo. Lembro de ter acordado duas ou três vezes nas mesmas noites, sempre sufocando, sempre me perdendo no lençol e sempre de mim mesma. E eram essas lembranças que me mantinham inteira.
            E agora? Agora... Agora tudo é confusão. Tudo é tão frio, meu amor. Tudo faz sentido nenhum sem você.
            Será que já podemos parar essa roda gigante? Já me cansei desse carrossel e já não sei se aguento mais essa montanha russa. Deixe-me sair! Deixe-me vomitar e faça parar essa correria. Faça esse movimento terminar.
            Devolva-me a gravidade. Devolva-me a sanidade. Devolva-me o seu coração. E mais do que isso, tome-me para você e não deixe que eu me perca novamente. Não deixe-me trancar essas memórias, deixe-me vive-las. 

novembro 09, 2012

Rosas


            Em um reino muito distante, havia uma linda rainha. Os cabelos dourados da bela caiam em cascatas pelas costas. E seu olhar doce encantava a todos. Essa rainha possuía três filhas e um segredo. Ira, Volúpia e Farsa. Eram três lindas meninas, três guerreiras letais e três aliadas fatais.
            As três princesas não possuíam nenhum princípio, bem como a rainha. Naquele reino, havia fome e faltava tudo, inclusive o amor dentro dos corações dos camponeses. Nem mesmo o padre sabia dizer o que era esperança. Nem mesmo Deus fazia sentido ali. A única autoridade era a Rainha. E os únicos desejos que eram levados em conta eram os das três princesas.
            Longe dali, havia uma jovem que morava bem no meio da floresta, escondida do mundo, reclusa. Alguns a consideravam louca, mas os poucos que tinham o prazer de conhece-la sabiam que era a criatura mais amável que existia. A jovem tinha cabelos muito negros, que iam até a cintura e que emolduravam de forma delicada o rosto em formato de coração, com cachos que tinham vontade própria.
            Essa jovem não tinha filhos, muito menos um marido. Ela era sozinha e trazia consigo sempre um colar com três pingentes e três pedras preciosas. Secretamente, aquelas pedrinhas eram desejos concedidos por fadas. Três fadas a haviam abençoado muito tempo atrás. E ela carregava aquelas bênçãos sem ainda saber o que eram. Secretamente, cada bênção levava um nome: Tranquila, Virgínia e Alma. Eram os nomes das três fadas. O segredo para que aquelas bênçãos fossem transformadas em coisas reais, era a fé que existia no coração da jovem camponesa.
            Em um lindo dia de verão, em sua cabana, a jovem morena estava colocando flores em um jarro que ela mesma havia feito. Foi quando um grito terrível cortou o ar. Havia dor naquele grito, havia medo. 
            O jarro espatifou-se no chão enquanto a camponesa procurava por algum tipo de arma com o que se defender. Assim que achou uma faca, pouco afiada e que ela mal conseguia empunhar, batidas desesperadas soaram em sua porta.
            - Socorro! Socorro! Ajude-me, por favor! – Era um choro tão doído, que o coração da jovenzinha apertou dentro do peito. Com mãos trêmulas, ela abriu a porta.
            Apavorada e tremendo muito, com alguns rasgões na roupa real, entrou a princesa Ira, que cambaleou, caindo no chão. Rapidamente, a camponesa fechou a porta e ajoelhou-se para ajudar a princesa.
            - Oh, céus! O que aconteceu? – Soluçou a camponesa, largando a faca e já se prontificando em curar as feridas da princesa.
            Com onomatopeias e hipérboles, Ira contou-lhe tudo o que havia acontecido. Contou que fora atacada por um senhor, e que ele pretendia arrancar-lhe o coração. O motivo de tal vontade, a princesa nunca contou.
            Ira ficou ali até que estivesse curada. E, num dia chuvoso, a camponesa saiu para colher frutos. Revoltada por ter ficado sozinha e por ter sido recebida com tanta simplicidade, ignorando completamente a boa vontade da camponesa e o carinho que lhe havia sido dedicado, Ira ateou fogo à pequena cabana e saiu dali, voltando para seu castelo.
            Quando a jovem de cabelos negros voltou para o lar, encontrou apenas destroços e cinzas. Sem ter mais onde morar, recuperou o que pode dali e voltou para os domínios da Rainha de Cabelos Dourados. Ali, ela foi bem recebida por uma família, que lhe deu de comer e beber.
            O tempo foi passando e a camponesa criou o hábito de, todas as noites, contar histórias para os habitantes do reino. Toda noite havia uma fogueira. A pouca comida era repartida e ali, todos tinham bons momentos de alegria e diversão.
            Quem não gostou desse fato, foi a mãe das três princesas. A rainha ficou muito, muito brava por saber que alguém andava divertindo suas pessoas. Todos eles deveriam sofrer! Afinal, a rainha tinha um segredo: ela, na verdade, era uma fada que havia sido exilada por ser muito má. Enquanto as pessoas de seu reino sofressem e sentissem dor, ela seria forte e conseguiria dominar o povo. Cada uma das três princesas era, na verdade, uma fada. As três fadas haviam sido corrompidas pela maldade da Rainha. E agora só podiam servi-la e a mais ninguém. Elas jamais seriam livres novamente.
            A jovem camponesa era abençoada e, aos poucos, foi tratando das feridas e dos medos daqueles homens e mulheres. Com paciência e dedicação, ela havia cativado cada um ali. Ela também havia conquistado o ódio da rainha.
            Assim que o Outono chegou, com suas temperaturas mais amenas, a rainha ordenou:
            - Matem-na! Levem-na para a fogueira, aquela bruxa! Queimem-na! Quero ouvir seus gritos de agonia! – A risada que seguiu essa ordem foi realmente má. Má do tipo que arrepia quem ouve e que assusta até mesmo os animaizinhos.
            Os guardas, mesmo contrariados, seguiram suas ordens. Assim que se aproximaram da camponesa, a população se revoltou. Defenderam a jovem de cabelos negros e, aquele foi o estopim de uma guerra. Todos os homens de bem, fossem ferreiros ou vaqueiros, se ajoelharam diante da camponesa.
            O sorriso que tomou os lábios carnudos e vermelhos da jovem foi o mais lindo já visto. Os três pingentes em seu pescoço esquentaram, brilhando, como se concordando com a reverência do povo.
            A rainha reuniu os poucos homens que ainda desejavam servi-la e preparou-se para a guerra. Ela colocou um lindo vestido de metal e aconselhou suas filhas a fazerem o mesmo. Elas se protegeram com o que podiam e acreditaram que poderiam vencer a guerra, por serem poderosas e por terem governado por tanto tempo.
            No embate dos dois exércitos, Ira foi atingida. E mesmo tendo pecado contra a camponesa, esta ajoelhou-se a seu lado e usou uma das bênçãos para curá-la. Um dos pingentes quebrou-se e, derretendo o vestido de metal e saindo do corpo da princesa, uma linda fada de asas verdes apareceu. A camponesa havia libertado uma das fadas.
            Para defender-se, a rainha desviou-se de uma lança, deixando Volúpia em sua mira. A segunda princesa foi atingida, e teria morrido se a camponesa não houvesse ajoelhado a seu lado. Com uma prece silenciosa, o segundo pingente quebrou e o segundo vestido de metal derreteu. Outra fada estava liberta, e essa tinha asas muito azuis, bem como os olhos.
            O derramamento de sangue continuou até que Farsa simulou um afogamento. Todos se mobilizaram para salvar a princesa. E quando um dos soldados da camponesa segurou-a, Farsa atacou-o, rasgando-lhe a garganta com um punhal.
            Depois de sair do lago, a última princesa caminhou até a camponesa e investiu um golpe certeiro em seu coração. Mas nesse momento, o terceiro pingente partiu-se. Os minúsculos estilhaços atingiram os olhos de Farsa, que caiu no chão. O último vestido de metal derreteu. De dentro da princesa maligna, saiu a última fada, com asas cor de rosa como o anoitecer de um dia muito frio.
            Enraivecida com a destruição de suas três filhas e com a liberdade das três fadas que lhes davam a vida, a Rainha bufou. Ela cortou o campo de batalha, desviando-se de flechas, lanças, machados e golpes, matando quem ousasse interpor seu caminho. E conforme ela marchava, linda e cruel, os cabelos dourados esvoaçavam com o vento, mesclando-se com o elmo que a monarca usava. Em questão de minutos ela estava diante da Camponesa.
            O embate ali era verdadeiro. Dali sairia apenas uma vitoriosa, apenas uma Rainha seria reconhecida naquele reino. E todos os camponeses pararam para observar o embate das duas belas mulheres. O dourado e o negro enfrentando-se diretamente. O olhar inocente e dissimulado de uma, o olhar de gavião, atento e certeiro da outra, num encontro direto.
            Mas antes mesmo que as rainhas pudessem empunhar suas armas, a terra tremeu. Do chão, brotou uma linda rosa. Uma rosa cor de sangue, tingida com gotinhas de vermelho que pareciam vir de lugar algum. A plateia observou boquiaberta tal milagre acontecer, sem motivo e sem explicação, bem diante de seus olhos. Todas as armas foram largadas no chão. Todos ali entenderam que a rosa era a sentença final.
            Quando todos os olhos se fecharam e todas as respirações foram suspensas, o primeiro golpe retumbou no céu. O confronto havia começado. Era possível ouvir os espinhos chocando-se, fazendo ecoar um som frio de espada. Delicadamente, as rosas usadas de armas por ambas as rainhas cortavam o ar, quase como num balé. Até que a rosa vermelha caiu. Junto dela, nenhuma rainha desmanchou-se.
            Junto da rosa que tocou o chão, a bondade retornou a Rainha de Cabelos Dourados.
E no céu cinzento do campo de batalha, cabelos muito negros e um sorriso muito sincero marcaram o coração de cada um presente ali. A nova Rainha subiu ao trono com ovação. E a maldade jamais voltou a rondar aquele povo. 

novembro 07, 2012

18 motivos para amar você


Sinceramente apenas 18 motivos não contemplam todos os motivos pelos quais eu (e todos) te amo (amam). Mas, como o seu aniversário é de 18 anos, nada mais conveniente do que escolher os 18 mais importantes ou, pelo menos, os mais marcantes.

1- Seu sorriso é lindo. Ele contagia, envolve, e faz com que eu sorria também. É como um espelho: se você sorri eu o faço também. É mais que isso, é uma energia invisível que se transmite de você para mim, freneticamente.
2- Sua história de vida é linda. Mostra superação, inteligência, força, fé e muitas outras coisas. Enfim, você é exemplo. Em seus 18 anos de vida, o que não é muito, já apresenta maturidade de muito mais. Não, isso não é ruim: só mostra o quanto você soube aprender com tudo que a vida quis te ensinar.
3- Você adora ler. E isso me fascina, até mesmo porque eu também adoro. Ler, e isso nós sabemos bem, faz com que entremos em um mundo só nosso, um mundo inexpugnável, onde os príncipes se casam com as princesas, os vilões não ficam impunes e as pessoas são felizes, pelo menos, no final. A gente fica esperando o dia em que essas histórias se repitirão na vida real. Não sei se vai demorar 18 anos, mais ou menos, mas enquanto isso continuaremos a ler e a esperar. Amigos. Juntos.
4- Você é esforçada e, se estuda na Universidade Federal de Uberlândia, só reforça ainda mais o que digo. Quando digo esforçada não digo apenas em relação ao estudo: em relação à família, aos amigos e às pessoas que você ama também.
5- Sua mania de corrigir automaticamente os erros de português das pessoas é hilária. Eu rio demais, inclusive porque eu também o faço. Nós quase infartamos quando vemos aquele "derrepente", aquela "concertesa" e, o pior, "conhecidência". Essas coisas, pequenas até, são as que mais nos aproximam porque criam um clima de intimidade e cumplicidade.
6- Sua oscilação de sentimentos é outra coisa que, ironicamente, me encanta. Sabe, eu me identifico bastante.
7- Seu abraço é o melhor do mundo. Afugenta quaisquer medos, desanuvia as incertezas e cria uma corrente positiva de 18 milhões de ampéres de sentimentos bons.
8- Você é espontânea.
9- Admiro sua relação com sua irmã e sua mãe.
10- Seus gostos musicais são ótimos. Vive me indicando músicas que se tornam as minhas favoritas depois.
11- "Will love you, baby, always
And I'll be there forever and a day, always
I'll be there till the stars don't shine
Till the heavens burst and the words don't rhyme
And I know when I die, you'll be on my mind
And I love you, always".
12- Nossa amizade é tão linda. Já percebeu isso? Nós nos conhecemos há pouco tempo, mas é como se nos conhecêssemos de tempos remotos. Nos identificamos em muitas coisas e transmitimos sentimentos bons de um para o outro, pelo menos 18 vezes ao dia. Reciprocamente.
13- Posso contar com você sempre, mesmo que seja 2h da manhã ou 18h da noite.
14- Você sempre me ouve, mesmo que meus problemas sejam 18 vezes menores que os seus. Ou que pareçam insignificantes, mas se tiram meu sorriso eu sei que você vai fazer 18 coisas ou mais para tê-lo de volta.
15- Pode se passar 18 anos, 36, 72 ou mais, mas sei que você vai estar lá, onde quer que seja, por mim. E, pode ter certeza, eu também estarei. Por você.
16- Nós somos a prova viva de que amizade independe do tempo e das circunstâncias. Somos a prova de que ela depende apenas do amor que se nutre um pelo outro e da intensidade com que são amigos. Sabe, podem aparecer 18 barreiras, 18 desculpas, 18 erros, mas eu terei 5832 (18x18x18) razões para continuar lutando por nossa amizade.
17- Sua paixão por Dragões de Éter é outro motivo, minha Ariane, pelo qual te amo. Porque é algo que nos aproxima - e muito.
18 - Acho, Ju, que o fato de eu te amar muito e de você ser imprescindível para mim já contempla todos os outros motivos. O fato de sermos amigos, daqueles de fazer tudo para ver o o outro feliz, também contempla. Enfim, eu sei que não sou tão bom com as palavras, mas tento sempre me aproximar do que sinto com elas. E outra coisa que sempre vou tentar é enxugar suas lágrimas, tirar um sorriso de seu rosto em uma situação boba. Te fazer feliz, eis o meu propósito.

Feliz aniversário. Tudo de melhor, porque você merece. Te amo.
P.S.: Se você percebeu, usei o número 18 dezoito vezes. Multiplique-os e aí você chegará em 1/10 do tamanho do meu amor por você.





Presente de Gustavo Alves Araujo, meu melhor amigo.

outubro 23, 2012

Estou indo para casa


            Estava de volta ao lar. Estava tudo como era antes de sua partida. Os abraços continuavam acolhedores e havia ainda mais cumplicidade entre eles do que outrora. Era até estranho como os móveis continuavam no mesmo lugar. A poltrona estava inclinada em outra direção, mas ainda era a mesma. Haviam alguns novos porta retratos, algumas pessoas novas na vida da casa. Mas ainda era o mesmo lugar.
            Acolhedor, tranquilizador. Ali não havia problemas. Aquele era um santuário, o único lugar no mundo em que se sentiria bem, independente da tempestade lá fora. Naquele tapete ou naquela escadaria, ela jamais sentiria medo de trovões. Nunca haveriam bichos papões debaixo da cama. A lareira sempre estaria acessa, o fogo sempre crepitando, suave e de forma amável. O fogo sempre os uniria.
            De volta ao banheiro, soube que jamais encontraria outra ducha como aquela, onde os buraquinhos nunca entupiam e onde o jato era tão forte que relaxava todos os músculos do corpo de uma vez só. Bem como o espelho, que parecia sempre refletir o melhor de cada um e, de alguma forma ainda não explicada pela a ciência, sempre arrancava sorrisos da pessoa refletida ali.
            Em cada um dos quartos havia uma lembrança boa, de sonhos que aconteceram há muito tempo atrás, de acontecidos que marcaram história e a memória, de gente boníssima que foi até ali fazer rir ou chorar, compartilhar histórias e segredos e vidas. Aliás, aqueles quartos já viram muitas vidas nascerem.
            Dentro do armário, ainda era possível ver todas as lembranças escondidas ali: cartas, declarações, segredos sussurrados no cair da noite, sorrisos trocados, confidencias e o mais puro amor brotando de ambas as mãos. Dentro do armário, ainda havia um pedacinho de cada um. Ali era o coração da casa, o tesouro maior, recipiente de todas as lembranças boas e ruins. Em cada caixinha ali dentro, havia um coração, uma oração e uma coleção de sorrisos. Os sorrisos mais lindos do mundo.
            Todas as conversas estavam ali, escritas nas paredes. Cada palavra escrita com sangue e com amor. Os sussurros, as confidências, tudo isso impregnava as paredes e aquele coração, que ainda batia por conta daquela casa.
            Mesmo com todas as mudanças, ali ainda era um lar. Confortável e seguro. Um santuário no meio daquele mundo de guerras e traições. Havia muita poeira. Algumas dobradiças estavam enferrujadas e os armários cheios de cupim. Mas bastava uma limpeza, um pouco mais de amor dedicado àquele lar, e tudo voltaria ao normal. Tudo voltaria a ser como sempre deveria ter sido. 

outubro 17, 2012

Almas Gêmeas


                Estavam de mãos dadas no meio de uma enorme multidão. Ainda assim, com todo o barulho e toda a algazarra, era possível ouvir o coração do companheiro. Por mais que nem todos vissem o que acontecia ali, eles sabiam. Aquele casalzinho perdido no meio de um mar de corpos, sabia que pertenciam um ao outro. E aqueles corações, que batiam tão descompassados e tão felizes, só batiam porque estavam juntos.
            Eles trocaram um sorriso confidente, e todos os segredos compartilhavam apareceram por um segundo. A intimidade entre ambos, a confiança... Tudo esteve ali, presente naquele sorriso. Quem olhava de longe, mesmo sem conhece-los, sabia que naqueles dedos entrelaçados havia amor. E amor daqueles fortes e duradouros.
            O laço que os unia era invisível apenas para eles. Todos os outros, expectadores daquele amor, podiam ver. Era mais do que destino, ou confiança, entrega ou compatibilidade. Ambos eram mais do que isso, quando estavam juntos. Eles eram um só. Um só a ponto de completarem as frases um do outro, de se conhecerem sem forçar e de dividirem os mesmos medos e os mesmos segredos.
            Até mesmo de longe, um espectador mais sensível notaria a fraca luz vermelha que os envolvia quando estavam juntos. Alguém desatento, quando os visse, pensaria “que casal bonitinho”. Porque eram. E eram bem mais do que isso também: estavam predestinados.
            Deus, o Destino, uma Energia... Não importa no que você acredite, quando olhasse para os dois entenderia que havia alguma força maior atuando ali. Entenderia que estava escrito, em algum lugar, mesmo que fosse apenas no coração dos dois, que pertenciam um ao outro.
            Não haveria medo que apagaria isso. Ou insegurança. Muito menos falta de confiança. Porque, por mais que sentissem isso, o que os unia fazia com que superassem, fazia com que acreditassem de todo o coração e com toda a alma.
            Eles eram um, ali, no meio daquela multidão.
            Ali, uma senhora curiosa notou. E teve felicidade ao dizer: Duas almas gêmeas se encontraram. Acreditem, não saiu em nenhum jornal. Nenhuma emissora de tevê anunciou. Ninguém pareceu importar-se e, no mundo inteiro, pareceu não fazer a diferença. Mas no mundo dos dois, fazia. Sempre faria.
            Estavam juntos. E era para vale. Era para sempre. Eles eram um do outro. 

outubro 05, 2012

Cigana


            – Aproximem-se, senhoras e senhores! Tapem os olhos das crianças e preparem-se! – Os tambores rufaram, saudando a bela morena que adentrava o palco improvisado. – Clamem por ela! Ofereçam-se para morrer em seu nome!
            Ela estava coberta em vermelho, o corpo dourado escondido por um véu. Apenas os olhos muito negros, marcados pelo lápis escuro eram visíveis para os espectadores. Havia uma luz que vinha de trás, e pelo véu quase transparente era possível ver o contorno do corpo perfeito.
            – Oh, deusa minha! Piedade, piedade de meu coração! – Foi a súplica que ouviram pouco antes da música aumentar. O homem que fez o pedido ajoelhou-se diante da cigana, que tremulou o quadril em resposta.
            Instantaneamente, ao som da música e do vento, a mulher passou a dançar, o véu descendo pelo corpo, deixando as curvas perigosas à mostra. No ritmo ditado pelos instrumentos de percussão o corpo da morena deslizou pelo ar, cortando-o de forma delicada. E os lábios carnudos nunca deixavam de sorrir para sua plateia.
            Os acessórios de ouro que a cigana usava, adornando-lhe o rosto e os pulsos faziam sua própria sintonia, parecendo guia-la na sinfonia que era sua dança. Os braços esguios da mulher ergueram-se no ar, soltando o véu. O tecido caiu acariciando a pele da cigana, que rodopiou uma vez e, quando parou, encarou seu povo.
            Eram óbvios os olhares de cobiça sobre seu corpo. E era óbvio a forma como estes pareciam alimentá-la. A cigana terminou seu show ajoelhada no chão, o tronco arqueado para trás, o enorme cabelo negro arrastando no palco. O peito inflava a cada expiração da morena, que levantou-se em seguida, recebendo os aplausos com o sorriso mais sedutor do mundo.
            A forma como ela curvou-se, agradecendo à plateia foi digna de uma rainha. Enquanto isso, o homenzinho que a anunciara mais cedo recolheu o dinheiro que foi jogado para a deusa, que logo sumiu de minha vista.
            E só então senti que a bruxa havia levado muito mais do que minha admiração. Dentro de mim, uma parte do coração faltava.
            Cigana... Devolva o que roubou de mim! Sussurrei ao vento. Ainda era possível sentir o fogo que emanava do corpo dela. E a visão de sua dança não saía de meus olhos. 

outubro 03, 2012

Mártir



                Eu já morri tantas vezes... Tantas vezes que você se assustaria caso eu lhe contasse. Você duvidaria, meu amigo. Perdi o sono por cem dias. E por cem vezes, perdi-me de mim mesmo. Já jejuei por mil anos. E por mil anos, encontrei-me comigo mesmo a cada novo amanhecer.
            Quando tudo foi escuro, dentro de mim encontrei forças para levantar. E, ainda assim, me derrubaram novamente. Feriram-me por quinhentas vezes. Quinhentas chibatadas em meu couro negro. E ainda assim, me reergui. Ainda assim, criei forças para não gritar e não sucumbir.
            Por uma longa eternidade, pediram-me perdão. E ainda pedem. E com o coração voltado para o céu eu digo que os perdoo. Mas meu corpo talvez não...
            Quando tive de sorver para dentro de mim todo o medo e a insegurança, quase explodi. Mas de algum lugar surgiram forças, tornando-me elástico, capaz de absorver e absorver. E quando houve fogo em cada pedaço de minha carne, eu fui gelo. Implacável, inquebrável em meus mil metros.
            E quando insistiram em devastar-me, em privar-me de mim mesmo, eu gritei. Lutei com todas as minhas forças e me encontrei com alguém muito parecido comigo virando uma esquina qualquer, de um beco qualquer do meu coração.
            Houve apenas um som. Um tiro ecoando pela caixa torácica, pelo crânio e pela alma. E ali, encontrei a morte mais uma vez.
            Eu já menti tantas vezes... E a cada mentira era um prego cravado em minha língua.
            “– Pai! Por que me abandonastes?” – Eu não cansava de me perguntar. E ainda me pergunto, senhora.
            Quando quiseram prender-me entre espinhos e algemas, eu revidei. Eu aplaquei. Eu sufoquei cada um de vocês. Eu me libertei, senhores!
            –  Ouçam! Quando o Inverno vier, corram! Corram por suas vidas, camaradas! E corram por si mesmos! Arranquem os olhos de seus algozes! Privem-nos da vida que querem privar de vocês!
            E incontáveis vezes perdi as palavras. Ou não ouvi as palavras. Ou não pensei nas palavras. Não as absorvi e não me apaixonei por elas.
            Sou como essas palavras: Eu já morri incontáveis vezes. 

setembro 25, 2012

Avenida Getúlio Vargas


            - Você sabe o que está acontecendo aqui dentro...
            O sussurro varreu a noite, despencando do sexto andar do prédio, retorcendo-se no ar, gritando em silêncio pela pressão nos pulmões e suplicando por ajuda. O sussurro não foi ouvido por ninguém, apenas pela faca pouco afiada que pendia entre os dedos pouco firmes da menina.
            Em algum lugar da cidade, um corpo caiu. Caiu fazendo estrondo, ecoando pelo mar de gente que insistia em inundar a avenida, mesmo depois da meia noite. Era dia de festa e, como bons cidadãos, todos aproveitavam. Menos aquele sussurro perdido na altura do prédio.
            Lá de cima, ela avistou a massa de gente e pensou em como seria bom apenas juntar-se a eles. Descer de escada não estava em seus planos. E o elevador ainda a assustava. Ainda haviam fantasmas demais no corredor do sexto andar e ela ainda não estava pronta para enfrenta-los ou para ignorá-los.
            Os fantasmas ouviam seus sussurros, o apelo sufocado por um mar de lágrimas. Tantas lágrimas quanto as pessoas festejando na avenida.
            Ali do lado, um espectro de cabelos dourados observava o filhote de passarinho com muitas dúvidas estampadas no olhar, mas a menina não teve coragem de desviar o olhar do mar de corpos. Mesmo se ela tivesse voltado os olhos para o espectro, mal veria. Estava cega pelas lágrimas, pela dor e pelo medo.
            Um, dois, três. Ela apertou a faca e trouxe-a para mais perto do peito.
            Quatro, cinco, seis. Podia ouvir o coração palpitando, ecoando na garganta, aquecendo o corpo frio pelo ar noturno. O coração sendo embalado pela canção alegre que o mar de corpos insistia em cantar.
            - Aprenda a voar, passarinho – O espectro sussurrou, levando a mão translúcida à faca na mão da menina. O espectro apertou da forma que podia. E os dedos do passarinho entenderam que era para firmar a pressão.
            Cinco, quatro, três, dois e... E ela saltou. O corpo de passarinho da menina lançou voo na imensidão de seis andares de altura. Assim como o sussurro, despencou.  E ainda assim, ninguém fez questão de ouvir. Ninguém nunca fazia.
            A faca cravou na garganta do passarinho, que espatifou-se no chão porque ainda não sabia voar. Ela jamais aprenderia a voar depois de ter sido sufocada. A faca a sufocou, tomou o último suspiro desesperado que a menina ousou suspirar.
            E o espectro guiou-lhe o espírito para algum lugar mais tranquilo. Até breve, pequeno pássaro. 

agosto 15, 2012

Anjinha


            - Você acredita mesmo que... – A frase foi interrompida por um sorriso cálido da irmã mais velha. Deslizou os dedos machucados pelos fantasmas no rosto de criança e assentiu, umedecendo os lábios e erguendo o olhar em busca de algo.
            - E você não? – A maior sussurrou, apertando as mãozinhas pequenas nas suas.
            A criança mostrou-lhe um sorriso lindo e a gargalhada gostosa ecoou pelo quarto, envolvendo-as. Unindo-as, levando embora a tristeza que parecia pairar no quarto. Por um momento, a pequena pareceu pensar, raciocinar.
            - É que nós não vemos muitos anjos por aí... Você sabe. – Ela riu, de forma sapeca. E a irmã mais velha teve de conter-se para não apertá-la num abraço que iria sufoca-la por alguns segundos.
            - É só porque não conseguimos enxergar. Basta só um pouquinho de atenção, quer ver?
            - E você pode me mostrar?
            - Respire fundo e venha comigo nessa – Sussurrou, aninhando a pequena em seu colo e afagando-lhe o rostinho de boneca. – Você sabe aqueles momentos em que nós estamos tristinhas?
            A menina assentiu, sem nem se preocupar em dar um tempo de pausa para a irmã, que riu antes de prosseguir: - Certo, você sabe... Hm. Nesses momentos, existem pessoas que, só de nos olhar nos olhos, conseguem saber o que estamos sentindo. E é mágico como elas conseguem nos animar, pequena... Você já percebeu isso?
            Novamente, a expressão pensativa tomou o rostinho da criança, aninhada no colo da irmã mais velha. Ela mordiscou um dos lábios finos e assentiu em seguida, erguendo as orbes douradas e sorrindo para a maior apenas com o olhar.
            - Você é uma dessas pessoas. Não é? Você sabe fazer mágica.
            E a irmã mais velha riu, enchendo a barriguinha da menor de cócegas, fazendo-a rir. Fagulhas de esperança encherem o cômodo e o ar. Tudo se fez mais claro com o riso sincero e doce. A maior meneou a cabeça e abraçou-a carinhosamente.
            - Talvez eu seja. – Sussurrou, como um segredo. – Mas o ponto que quero chegar, Pipoquinha, é este: essas pessoas, essas pessoinhas que nos fazem felizes quando parece impossível, esses são nossos anjos. Anjos aqui, na Terra. E bem do nosso lado – O tom de segredo continuava, o sussurro enchendo o quarto, a esperança parecendo crescer na expressão da menor e no quarto fétido.
            - Farinha de Trigo... Eu acredito. – Sussurrou, o segredo também presente na voz fina e doce. – Eu acredito – Repetiu, apertando a irmã e assentindo fervorosamente.
            A maior depositou um beijo na testa da irmãzinha e assentiu, deslizando a pontinha do nariz na dela. Depois de suspirar e sentir o ar mais leve no quarto que antes abrigara a morte, ela umedeceu os lábios novamente e criou coragem para sussurrar: - Que bom que você acredita... Você é o meu anjo. – Confessou, prendendo-se à pequena.
            E juntas, todas as feridas elas curaram. 

julho 29, 2012

Apologize.



                “Algumas vezes, a coisa mais difícil é a mais certa”. Ouvira isso em algum lugar, em alguma música sussurrada, com algum sorriso roubado e vinho tinto para acompanhar. Porque apenas o toque suave da voz grave em sua pele era suficiente para tornar até a pior frase a melhor das maravilhas. 
                Sentada no chão frio do banheiro, ela agora revia os acontecimentos anteriores. Revia os beijos, os abraços. Lamentava-se por cada uma das palavras que sussurrara e por ter sido fraca ao não conseguir dizer não.
                Desde o começo, não devia ter começado com aquela história. Porque, no fundo, sabia como aconteceria. “Algumas vezes, a coisa mais difícil é a mais certa”...
                Tudo o que tinha era sua família, os braços aconchegantes da mãe, os sorrisos roubados, os doces compartilhados, o olhar travesso da irmã, os segredos abafados, as noites viradas em claro. E havia também toda aquela magia que só existia quando referia-se a elas. Era difícil aceitar...
                Ali, sentada com a garrafa de vinho barato e com olheiras, a cabeça latejando pela dor e o estômago revirando com o pesar, ela teve ainda mais certeza disso. O laço que as unia era único. E restringia-se às três. Era delas. E elas eram suas.
                Mais um gole no vinho nojento. Mais uma lágrima que insistia em cair enquanto a lembrança voltava. Era uma escolha difícil. Como era...
                “Querido Amor,
                               Sinto muito.”
                Foi o que teve coragem de rabiscar dessa vez. Nenhuma palavra a mais, nenhuma palavra a menos. Porque já não havia o que dizer. Já não podia mais dizer.
                Colocar sentimentos em palavras pode ser perigoso. E ela sentia-se frágil demais para correr mais um risco.
                Deixou o corpo deitar no azulejo frio e fechou os olhos. E no sonho, nada daquilo jamais havia existido. Sem dor, sem culpa, sem nada para separá-los ou não. Nenhuma prioridade.
                Nada. Paz. 

julho 19, 2012

Carta Aberta


                Imagino que esteja magoado comigo por eu ter dito que lhe odeio. E imagino também que saiba que não é verdade. Sei que em algum lugar aí dentro você tem certeza de que o único sentimento que sou capaz de nutrir por você é amor – aquele amor que vai no fundo da alma e faz a insegurança ir embora; o tipo de amor que vence todos os medos e te torna parte de mim, uma parte enorme de mim.
                A questão é que odeio a forma como me deixa vulnerável, a forma como, ao me dar mais seguranla, me torna insegura. Odeio a forma que meu coração salta, quase como se desejasse sair pela boca, sempre que ouço seu nome.
                Ah... Eu odeio como você faz eu me sentir especial, como me dá asas pra ir alto, ir além do que eu mesma imagino. Odeio sentir ciúmes de você. Odeio qualquer uma que possa estar contigo, quando eu não puder.
                No fundo, sei que todo esse “eu odeio” não é nada além de um “eu te amo’ sufocado, desesperado, engolido às pressas. E por esse meu medo e pela minha falta de palavras perto de você, eu sinceramente peço desculpas.
                E peço também que não se esqueça que, independente do que gritem minhas palavras, o sentimento não muda: Eu amo você.  

julho 17, 2012

Buenos dias.


                Ela acordou. E tudo parecia pior do que no sonho que tivera durante a noite. Gritou um “bom dia” amigo para as paredes que fingiram não ouvir nem se preocupar com o sofrimento que estava estampado em seus olhos.
                Levantou-se da cama, esticou o cobertor, olhou-se no espelho e a figura que viu parecia dez anos mais velha: um ser estranho, obrigado a crescer da noite para o dia, deformado, cheio de dúvidas e de medos. E o pior, encontrou esse ser refletido sozinho e com um fardo  pesado demais para carregar. 
                O medo tomou conta de seu corpo, esfriando o estômago, dando um nó em sua garganta e em seus pensamentos. Ela perguntou-se quem era. E perguntou-se também como havia chegado ali, revisou os caminhos, os atalhos e a dúvida surgiu. Deus, estaria ela fazendo tudo certo? Quem garantia que um dos  caminhos não fora o errado e que seu objetivo fora sempre certo?
                Olhando-se no espelho frio, ela notou que estava certa sim. Mas definitivamente errada. Assustada. Não, apavorada. Estava mais velha, mas mais incerta que uma criança pequena no meio de uma multidão. Estava menos vulnerável. Ou seria o contrário?
                A questão é que as paredes continuavam a ignorando. Em cada passo, em cada atividade que fazia. Soltou o cabelo bagunçado e tentou tornar-se mais apresentável para a vida que lhe esperava. Mas até esse gesto pareceu mecânico. E quando seus lábios se separaram para o café da manhã, ela sentiu como se fossem espinhos descendo e rasgando sua garganta.
                E o chão tornou-se rubro. As lágrimas também. E todo o medo ao redor do corpo pequeno. Era tudo vermelhidão enquanto ela vomitava a seco, tentando consertar as coisas erradas e juntar os pedacinhos de um cristal que havia se partido há muito tempo. 

julho 09, 2012

Intimidade

ㅤㅤEm momento algum acreditara que aquilo fosse amor. De forma alguma. Amor por ele? Por todas as pessoas do mundo, menos por ele.
ㅤㅤEra assim que pensara a situação. Desde o princípio. Era tudo, menos amor. E quando diziam-lhe que estava apaixonada, negava veementemente. E quando surpreendia-se pensando nele, tratava logo de mudar o rumo, distrair-se e agarrar-se a algo firme.
ㅤㅤPorque desde o princípio soubera que ele era inconstância. Não havia estabilidade quando tratava-se dele.
ㅤㅤE ela jamais poderia amar alguém assim.
ㅤㅤAté ouvir "sexo é amor".
ㅤㅤJamais havia pensado em alguém da forma que pensava nele. Nem desejado alguém como o desejava. Ninguém arrancara-lhe arrepios com tanta facilidade.
ㅤㅤE em seus dezoito anos, jamais havia sentido tanta vontade de entregar-se a alguém como a ele. Era quase uma necessidade: corroía, corrompia.
ㅤㅤEra natural que os beijos de ambos conduzissem para a união dos corpos. As mãos espalmadas nas costas dele viajavam sem receios pela pele macia, conhecendo e reconhecendo seus traços.
ㅤㅤOs lábios perdiam-se, procuravam chegar a parte inexploradas anteriormente. E alcançavam. Pediam-se na pele, nas curvas. Pendiam e perdiam-se entre vales e montanhas, no relevo dos corpos.
ㅤㅤOs lábios encontravam-se. Selavam o pacto que os unia. E perdiam-se novamente só para encontrarem-se mais uma vez. E outra, e mais outra.
ㅤㅤE eram um. Era amor e só assim ela compreendeu: mais do que corações que haviam se escolhido ou não se escolhido, eles eram corpos. Corpos que dividiam a mesma sintonia e um mesmo desejo. Eram corpos que haviam se escolhido.

julho 03, 2012

Querido Amor,

Fazia algum tempo que eu não me sentia assim. Na verdade, o medo de me sentir assim novamente era enorme. E, sinceramente, ainda me assusto com as borboletas no estômago quando você aponta no meu campo de visão; ainda não me acostumei com as mãos geladas só de pensar em você ou no sorriso bobo que brota nos lábios quando alguém diz seu nome.
Acho que é tudo muito surreal ainda para que eu consiga acreditar. Mas isso não significa que não sinto - pelo contrário: eu sinto! E sinto nos ossos. Sinto com o coração na garganta quando você está perto. Sinto com o medo de falar algo errado ou bobo perto de você. Sinto com os suspiros que me causa, com os arrepios que me arranca. E cada segundo contigo tem sido maravilhoso. Porque você, sinceramente, me faz querer acreditar de novo. Você faz com que eu queira ser melhor: melhor por você e melhor pra você. Você faz eu querer sentir Amor. Ser Amor. Mesmo com o medo que as vezes parece me tirar o foco. 
Sim, o medo continua aqui, escurecendo, apavorando. Mas quando estou nos seus braços ou quando é a sua lembrança que está na minha memória, o medo é pequeno demais. A sua luz, o seu sorriso, faz tudo valer à pena e afasta toda a minha insegurança. Medo nenhum, insegurança nenhuma é capaz de afastar o sentimento que irradia do meu peito quando o assunto é você. 
Você é Esperança. Minha Esperança. Querido Amor, você faz eu me sentir viva quando eu já não acreditava ser possível. E sinto muito se sou sucinta vez ou outra. Sinto muito por, às vezes, não conseguir retribuir tudo o que você faz por mim. Mas não é por mal, me entenda: Quaisquer que sejam minhas ações perto de você, elas são poucas. Poucas e pequenas diante do quanto você me faz acreditar. E por mais que eu fale, minhas palavras parecem vãs, frias e pequenas porque é tanto calor que invade meu peito quando sinto você perto de mim... Sufoca-me. 
Amor, não me leva a mal por não conseguir dizer isso em voz alta. Só queria que, de alguma forma, você soubesse o quanto te quero - mais do que isso: o quanto te preciso. E as palavras podem ser esquecidas, levadas com o vento. Mas aqui, no papel e dentro de mim, está gravado. Cada letra, cada suspiro, cada sorriso e cada beijo. Cada olhar seu. 
E, Querido, que não acabe. Que seja nosso esse sentimento. E que seja grande o suficiente para continuar vencendo meus medos. Obrigada por me fazer acreditar novamente.

maio 23, 2012

Tartarugas.

    Liberdade, acima de tudo. Nascem independentes e já correm na direção do mar - tão feroz, com seus dentes de ondas enormes e monstros que tiram qualquer um do sério. E, mesmo assim, elas correm sem medo. Talvez porque tenham certeza de que há algo maravilhoso lhes esperando ou porque não tenham medo dos monstros, não até eles se tornarem real. Afinal de contas, idealizar e alucinar coisas as torna muito piores do que a realidade.
    E quando não se tem medo do mundo, ele se torna quase indefeso. No fim, o comando de tudo é nosso.
    E tartarugas parecem saber disso. Porque correm, livres e bem dispostas, acreditando e esperando algo melhor do que uma porção de areia que as sufoca a cada segundo no seu relógio digital. 
    Nessas horas, queria ser uma tartaruga, fechar os olhos e correr. Correr sem medo, de braços abertos, acreditando em algo melhor e em dias melhores. E em sonhos melhores. E em pessoas melhores. Só acreditando. 
    E nadando. 

maio 22, 2012

Monotonia

tic-tac do relógio era um martírio. Cada segundo que passava era uma punhalada em seu coração. E a cabeça já pesava pela falta do que fazer. Falta do que falar. Falta do que sentir e de todo o resto possível. E havia um vazio inexplicável em cada uma das opções quase plausíveis. E havia o cheiro férreo que poluía suas narinas, que infliltrava-se em sua pele e agarrava-se aos cabelos, aos pelos, aos apelos e que grunhia, revoltado. E o vermelho inundava o chão, penetrava as roupas e todo o resto do cômodo. Havia vermelho em todos os lugares e vermelho em nenhum coração. E cada segundo era uma punhalada. Mas não eram os segundos... Era alguém. E já não havia o que fazer. Afinal, o que é que se faz em morte? Monotonia era sua nova realidade. E já não podia desvencilhar-se dos dedos enegrecidos pelo véu da morte que sugava-lhe para baixo. E para baixo. E para o fim de todo o resto. Não houve mais em que se agarrar. Suspirou. E já não sentia o vermelho que borrava o chão e sua visão. Monotonia era tudo o que sentia agora. 

março 31, 2012

Eu não vou dizer que te amo. Já não sinto, já não tenho certeza, já não sei se é certo.
Ainda existe aquele pulsar, o calor quando você se aproxima, o rubor quando me olha. Mas não com a mesma intensidade.
O sentimento vai morrendo, definhando pouco a pouco, atrofiando, não desenvolvendo. E o medo vai junto.
Já não tenho mais medo de você ou das suas reações. Já não me falham os joelhos, já não me bambeiam as pernas. Já não pulsa e já não vive. Já não me faz falta e já nem quero que o faça.
Tomei meu rumo, sem você. Sem você.

fevereiro 14, 2012

Benção

Era tanta dor! Era como se fosse explodir, a pressão subindo, a cabeça doendo, os dentes rangendo. Os nós nos dedos brancos de tanto apertarem o lençol. E ela sentia-se sendo partida ao meio. Sangrava.
Nunca em toda a vida sentira uma dor tão grande. Era quase enlouquecedora. Ardia, contorcia, apertava e parecia não parar nunca. Antes haviam intervalos, mas... Agora era tudo dor. Enxergava tudo vermelho, tudo cerrado.
O rosto empapado de suor lutava para manter-se em pé e lutar contra a dor, mas o corpo inteiro pedia por descanso. Sentia-se tonta, sabia que estava a um passo de desmaiar. Mas precisava lutar. Era a pior dor do mundo.
E aquela era a dor mais linda do mundo. Tinha o melhor motivo do mundo para continuar lutando. Um pedacinho seu viveria se ela lutasse. E aquele era a razão para tanta dor: um serzinho, um pedacinho seu vindo ao mundo, lutando pela vida.
Seu corpo lutava para expeli-lo para fora. Havia chegado a grande hora! E ela sentia-se a mulher mais feliz e realizada do mundo, mesmo com a dor intensa. Agarrava-se aos lençóis como à própria vida. E lutava para não perder a consciência, lutava para terminar logo com aquilo e ter seu pequeno no colo.
Houve uma luz no meio de todo o vermelho e toda a dor. Uma pontada mais forte. A dor foi tanta que ela teve certeza de ter se partido em duas. Urrou, lágrimas de dor e emoção tomaram-lhe os olhos. O choro de seu bebê ecoou pelo cômodo branco.
E ela chorou. Mais ainda. Convulsivamente. Deixou o corpo tombar na cama, os músculos relaxando, a dor amenizando, as lágrimas como uma cachoeira em seu rosto. Estendeu os braços, pedindo pela pequena criança. E quando o pequeno corpinho foi aninhado em seus braços, teve a certeza de que era a pessoa mais feliz do mundo.
O motivo de tanta dor estava ali, vivo, saudável, lindo! Ele respirava! Estava com os olhinhos fechados, mas não demorou a segurar sem força um dos dedos da mãe. E o laço foi selado. Eram um do outro e nada mudaria isso.
A mulher depositou um beijinho na cabeça do bebê e deslizou o nariz suado pelo rostinho coberto de sangue. Ele era a coisinha mais linda e mais delicada do mundo. Soluçou, apertando-o um pouquinho mais forte. E o cômodo voltou a ser vermelho, mas não era o vermelho da dor, era o vermelho puro, vermelho de amor e de verdade. Amor de mãe. Era a coisa mais preciosa que o pequenino poderia ter. E era o tesouro que carregaria consigo pelo resto da vida, passasse o tempo que passasse.
E ali, tendo o pequeno em seus braços, ela teve certeza de que a dor do parto tinha sido apenas a primeira dor que sentiria por ele. Por aquele serzinho tão pequeno e indefeso, ela daria a vida sem pensar duas vezes. Por ele, lutaria com unhas e dentes, daria seu melhor, sem titubear. Aquela criaturinha, tão pequena, era sua razão de viver a partir daquele momento.

fevereiro 07, 2012

Adios

Estava sentado preguiçosamente numa poltrona. A única luz na sala vinha do abajur, amarelada, pálida, fria. Ele segurava uma taça de vinho na mão direita. Vez ou outra levava-a aos lábios e saboreava o líquido vermelho. Seus olhos não tinham foco. E dali, daquela sala, daquela poltrona, ele podia ouvi-la no quarto.
Ouvia-a dançando no quarto. Ouvia os dois fazendo amor no quarto. Ouvia ela chorando no quarto. Ouvia ela fazendo as malas no quarto.
Levou o vinho aos lábios mais uma vez, fazendo um brinde com o vento - um brinde com o azar. Sorriu para o nada, não havia mais nada além de vazio nele e no quarto.
A porta da sala fechou-se com um estrondo oco. A casa agora estava vazia. Ele pode ouvi-la arrastar as quatro malas pelas escadas. Perguntava-se se devia te-la ajudado e sua consciência respondia que não. Sua consciência respondia que ela não pensara nele quando decidira ir embora.
Ela jamais pensara nele.
Serviu-se de mais vinho. O perfume dela ainda pairava no ar. O peito encheu-se de uma agonia torturante e as lágrimas vieram. A garrafa de vinho voou de sua mão até a parede mais próxima, jorrando sangue na tinta branca, manchando para sempre o coração do homem, os cacos machucando, perfurando, matando.
Ele apagou o abajur. Caminhou trôpego até o quarto. O perfume dela como veneno no ar. Os cabides como provas dolorosas de que ela havia partido, testemunhas cruéis de um crime que o mataria.
Deitou-se na cama, abraçou-se ao travesseiro da mulher, perguntando-se como conseguiria viver sem as mentiras e os risos dela, iluminando-o, fazendo-o perder-se e prender-se a ela. Absorveu tudo dela que ainda havia na cama, o cheiro, alguns fios de cabelos presos à fronha, as lembranças das noites de amor na cama.
E dormiu enlaçado às memórias dela.