Em um reino muito distante, havia
uma linda rainha. Os cabelos dourados da bela caiam em cascatas pelas costas. E
seu olhar doce encantava a todos. Essa rainha possuía três filhas e um segredo.
Ira, Volúpia e Farsa. Eram três lindas meninas, três guerreiras letais e três
aliadas fatais.
As três princesas não possuíam
nenhum princípio, bem como a rainha. Naquele reino, havia fome e faltava tudo,
inclusive o amor dentro dos corações dos camponeses. Nem mesmo o padre sabia
dizer o que era esperança. Nem mesmo Deus fazia sentido ali. A única autoridade
era a Rainha. E os únicos desejos que eram levados em conta eram os das três
princesas.
Longe dali, havia uma jovem que
morava bem no meio da floresta, escondida do mundo, reclusa. Alguns a
consideravam louca, mas os poucos que tinham o prazer de conhece-la sabiam que
era a criatura mais amável que existia. A jovem tinha cabelos muito negros, que
iam até a cintura e que emolduravam de forma delicada o rosto em formato de
coração, com cachos que tinham vontade própria.
Essa jovem não tinha filhos, muito
menos um marido. Ela era sozinha e trazia consigo sempre um colar com três
pingentes e três pedras preciosas. Secretamente, aquelas pedrinhas eram desejos
concedidos por fadas. Três fadas a haviam abençoado muito tempo atrás. E ela
carregava aquelas bênçãos sem ainda saber o que eram. Secretamente, cada bênção
levava um nome: Tranquila, Virgínia e Alma. Eram os nomes das três fadas. O
segredo para que aquelas bênçãos fossem transformadas em coisas reais, era a fé
que existia no coração da jovem camponesa.
Em um lindo dia de verão, em sua
cabana, a jovem morena estava colocando flores em um jarro que ela mesma havia
feito. Foi quando um grito terrível cortou o ar. Havia dor naquele grito, havia
medo.
O jarro espatifou-se no chão
enquanto a camponesa procurava por algum tipo de arma com o que se defender.
Assim que achou uma faca, pouco afiada e que ela mal conseguia empunhar,
batidas desesperadas soaram em sua porta.
- Socorro! Socorro! Ajude-me, por
favor! – Era um choro tão doído, que o coração da jovenzinha apertou dentro do
peito. Com mãos trêmulas, ela abriu a porta.
Apavorada e tremendo muito, com
alguns rasgões na roupa real, entrou a princesa Ira, que cambaleou, caindo no
chão. Rapidamente, a camponesa fechou a porta e ajoelhou-se para ajudar a
princesa.
- Oh, céus! O que aconteceu? –
Soluçou a camponesa, largando a faca e já se prontificando em curar as feridas
da princesa.
Com onomatopeias e hipérboles, Ira
contou-lhe tudo o que havia acontecido. Contou que fora atacada por um senhor,
e que ele pretendia arrancar-lhe o coração. O motivo de tal vontade, a princesa
nunca contou.
Ira ficou ali até que estivesse
curada. E, num dia chuvoso, a camponesa saiu para colher frutos. Revoltada por
ter ficado sozinha e por ter sido recebida com tanta simplicidade, ignorando
completamente a boa vontade da camponesa e o carinho que lhe havia sido
dedicado, Ira ateou fogo à pequena cabana e saiu dali, voltando para seu
castelo.
Quando a jovem de cabelos negros
voltou para o lar, encontrou apenas destroços e cinzas. Sem ter mais onde
morar, recuperou o que pode dali e voltou para os domínios da Rainha de Cabelos
Dourados. Ali, ela foi bem recebida por uma família, que lhe deu de comer e
beber.
O tempo foi passando e a camponesa
criou o hábito de, todas as noites, contar histórias para os habitantes do
reino. Toda noite havia uma fogueira. A pouca comida era repartida e ali, todos
tinham bons momentos de alegria e diversão.
Quem não gostou desse fato, foi a mãe
das três princesas. A rainha ficou muito, muito brava por saber que alguém
andava divertindo suas pessoas. Todos eles deveriam sofrer! Afinal, a rainha
tinha um segredo: ela, na verdade, era uma fada que havia sido exilada por ser
muito má. Enquanto as pessoas de seu reino sofressem e sentissem dor, ela seria
forte e conseguiria dominar o povo. Cada uma das três princesas era, na
verdade, uma fada. As três fadas haviam sido corrompidas pela maldade da
Rainha. E agora só podiam servi-la e a mais ninguém. Elas jamais seriam livres
novamente.
A jovem camponesa era abençoada e,
aos poucos, foi tratando das feridas e dos medos daqueles homens e mulheres.
Com paciência e dedicação, ela havia cativado cada um ali. Ela também havia
conquistado o ódio da rainha.
Assim que o Outono chegou, com suas
temperaturas mais amenas, a rainha ordenou:
- Matem-na! Levem-na para a
fogueira, aquela bruxa! Queimem-na! Quero ouvir seus gritos de agonia! – A
risada que seguiu essa ordem foi realmente má. Má do tipo que arrepia quem ouve
e que assusta até mesmo os animaizinhos.
Os guardas, mesmo contrariados,
seguiram suas ordens. Assim que se aproximaram da camponesa, a população se
revoltou. Defenderam a jovem de cabelos negros e, aquele foi o estopim de uma
guerra. Todos os homens de bem, fossem ferreiros ou vaqueiros, se ajoelharam
diante da camponesa.
O sorriso que tomou os lábios
carnudos e vermelhos da jovem foi o mais lindo já visto. Os três pingentes em
seu pescoço esquentaram, brilhando, como se concordando com a reverência do
povo.
A rainha reuniu os poucos homens que
ainda desejavam servi-la e preparou-se para a guerra. Ela colocou um lindo
vestido de metal e aconselhou suas filhas a fazerem o mesmo. Elas se protegeram
com o que podiam e acreditaram que poderiam vencer a guerra, por serem
poderosas e por terem governado por tanto tempo.
No embate dos dois exércitos, Ira
foi atingida. E mesmo tendo pecado contra a camponesa, esta ajoelhou-se a seu
lado e usou uma das bênçãos para curá-la. Um dos pingentes quebrou-se e,
derretendo o vestido de metal e saindo do corpo da princesa, uma linda fada de
asas verdes apareceu. A camponesa havia libertado uma das fadas.
Para defender-se, a rainha
desviou-se de uma lança, deixando Volúpia em sua mira. A segunda princesa foi
atingida, e teria morrido se a camponesa não houvesse ajoelhado a seu lado. Com
uma prece silenciosa, o segundo pingente quebrou e o segundo vestido de metal
derreteu. Outra fada estava liberta, e essa tinha asas muito azuis, bem como os
olhos.
O derramamento de sangue continuou
até que Farsa simulou um afogamento. Todos se mobilizaram para salvar a
princesa. E quando um dos soldados da camponesa segurou-a, Farsa atacou-o,
rasgando-lhe a garganta com um punhal.
Depois de sair do lago, a última
princesa caminhou até a camponesa e investiu um golpe certeiro em seu coração.
Mas nesse momento, o terceiro pingente partiu-se. Os minúsculos estilhaços
atingiram os olhos de Farsa, que caiu no chão. O último vestido de metal
derreteu. De dentro da princesa maligna, saiu a última fada, com asas cor de
rosa como o anoitecer de um dia muito frio.
Enraivecida com a destruição de suas
três filhas e com a liberdade das três fadas que lhes davam a vida, a Rainha
bufou. Ela cortou o campo de batalha, desviando-se de flechas, lanças, machados
e golpes, matando quem ousasse interpor seu caminho. E conforme ela marchava,
linda e cruel, os cabelos dourados esvoaçavam com o vento, mesclando-se com o
elmo que a monarca usava. Em questão de minutos ela estava diante da Camponesa.
O embate ali era verdadeiro. Dali
sairia apenas uma vitoriosa, apenas uma Rainha seria reconhecida naquele reino.
E todos os camponeses pararam para observar o embate das duas belas mulheres. O
dourado e o negro enfrentando-se diretamente. O olhar inocente e dissimulado de
uma, o olhar de gavião, atento e certeiro da outra, num encontro direto.
Mas antes mesmo que as rainhas pudessem
empunhar suas armas, a terra tremeu. Do chão, brotou uma linda rosa. Uma rosa
cor de sangue, tingida com gotinhas de vermelho que pareciam vir de lugar
algum. A plateia observou boquiaberta tal milagre acontecer, sem motivo e sem
explicação, bem diante de seus olhos. Todas as armas foram largadas no chão.
Todos ali entenderam que a rosa era a sentença final.
Quando todos os olhos se fecharam e
todas as respirações foram suspensas, o primeiro golpe retumbou no céu. O
confronto havia começado. Era possível ouvir os espinhos chocando-se, fazendo
ecoar um som frio de espada. Delicadamente, as rosas usadas de armas por ambas
as rainhas cortavam o ar, quase como num balé. Até que a rosa vermelha caiu.
Junto dela, nenhuma rainha desmanchou-se.
Junto da rosa que tocou o chão, a
bondade retornou a Rainha de Cabelos Dourados.
E
no céu cinzento do campo de batalha, cabelos muito negros e um sorriso muito sincero
marcaram o coração de cada um presente ali. A nova Rainha subiu ao trono com
ovação. E a maldade jamais voltou a rondar aquele povo.