setembro 25, 2012

Avenida Getúlio Vargas


            - Você sabe o que está acontecendo aqui dentro...
            O sussurro varreu a noite, despencando do sexto andar do prédio, retorcendo-se no ar, gritando em silêncio pela pressão nos pulmões e suplicando por ajuda. O sussurro não foi ouvido por ninguém, apenas pela faca pouco afiada que pendia entre os dedos pouco firmes da menina.
            Em algum lugar da cidade, um corpo caiu. Caiu fazendo estrondo, ecoando pelo mar de gente que insistia em inundar a avenida, mesmo depois da meia noite. Era dia de festa e, como bons cidadãos, todos aproveitavam. Menos aquele sussurro perdido na altura do prédio.
            Lá de cima, ela avistou a massa de gente e pensou em como seria bom apenas juntar-se a eles. Descer de escada não estava em seus planos. E o elevador ainda a assustava. Ainda haviam fantasmas demais no corredor do sexto andar e ela ainda não estava pronta para enfrenta-los ou para ignorá-los.
            Os fantasmas ouviam seus sussurros, o apelo sufocado por um mar de lágrimas. Tantas lágrimas quanto as pessoas festejando na avenida.
            Ali do lado, um espectro de cabelos dourados observava o filhote de passarinho com muitas dúvidas estampadas no olhar, mas a menina não teve coragem de desviar o olhar do mar de corpos. Mesmo se ela tivesse voltado os olhos para o espectro, mal veria. Estava cega pelas lágrimas, pela dor e pelo medo.
            Um, dois, três. Ela apertou a faca e trouxe-a para mais perto do peito.
            Quatro, cinco, seis. Podia ouvir o coração palpitando, ecoando na garganta, aquecendo o corpo frio pelo ar noturno. O coração sendo embalado pela canção alegre que o mar de corpos insistia em cantar.
            - Aprenda a voar, passarinho – O espectro sussurrou, levando a mão translúcida à faca na mão da menina. O espectro apertou da forma que podia. E os dedos do passarinho entenderam que era para firmar a pressão.
            Cinco, quatro, três, dois e... E ela saltou. O corpo de passarinho da menina lançou voo na imensidão de seis andares de altura. Assim como o sussurro, despencou.  E ainda assim, ninguém fez questão de ouvir. Ninguém nunca fazia.
            A faca cravou na garganta do passarinho, que espatifou-se no chão porque ainda não sabia voar. Ela jamais aprenderia a voar depois de ter sido sufocada. A faca a sufocou, tomou o último suspiro desesperado que a menina ousou suspirar.
            E o espectro guiou-lhe o espírito para algum lugar mais tranquilo. Até breve, pequeno pássaro.