janeiro 21, 2013

Chris Martin


            Ainda não havia descoberto o que estava errado. Ela não costumava deixar-se levar por Chris Martin, não sempre. Na maioria das vezes, ela apenas deleitava-se com a voz perfeita. E quando tudo estava errado, era a voz dele que usava para forçar as lágrimas. Ainda era cedo, nem oito da noite. O céu ainda estava claro, ela não gostava de cometer crimes sob a luz do sol. Mas naquela noite, as coisas eram diferentes...
            Aliás, enquanto estava sentada na escrivaninha que não era sua, ela olhou para trás e notou que o dia havia começado diferente desde o começo. O sol demorara para nascer. E agora, ele demorava para partir. Era tarde para sofrer. Ainda era muito cedo para sofrer. Com a garganta inchada num nó, ligou o stereo bem baixinho. Deitou-se na mesa e deixou-se envolver pela melancolia da voz do homem. Chris Martin... O maldito Chris Martin, sempre fazendo-a chorar quando precisava. Havia esperado tanto por ele...
            Deslizou os joelhos para junto do corpo, encolhendo-se numa bola. Ela recolheu-se em seus pensamentos e na própria dor que não conseguia saber de onde vinha. Com olhos fechados e sussurrando a canção junto a Chris, ela permitiu-se chorar, devastar-se pela solidão que parecia implacável nos últimos dias. Era só um vazio enorme. “É só um vazio enorme, menina”, repetia para si mesma enquanto deslizava pelo veludo que era a voz de Chris.  
            Era saudade, solidão, era medo e angústia. Era a preguiça de terminar aquele trabalho e o desespero por não conseguir terminar. Era a filha que crescia rápido demais, a mãe que esquecia-se das coisas. Era a dor nas costas que não passava e aquele nó na garganta que não diminuía. Ela precisava de alguém que entendesse, que pudesse lhe dizer o que fazer ou como reagir. Precisava tanto... E nem sabia de quê.
             Acabou secando as lágrimas alguns minutos depois, os olhos mais leves, os ouvidos também. Mas o coração continuava pesado, cheio de bagagens que não pareciam dela. A alma continuava em busca de algo que a música de Chris Martin não podia lhe dar. Sem coragem para desligar o som, ela adormeceu sob o bonito anoitecer na cidade, embalada pelas palavras proféticas do homem, que começaram a soar na hora certa. “Seu coração pesado é feito de pedra, e é muito difícil vê-lo claramente. Você não precisa ficar sozinha”.
“You don't have to be on your own”.

janeiro 20, 2013

Acreditar


            Chegou com as chuvas de verão, trazendo consigo uma carta de amor e alguns botões de rosa para impressionar. Tinha nos olhos a bandeira da esperança, calor nos lábios e cabelos enrolados de sonhos, que voavam, enfrentavam o vento com rebeldia, invencíveis no negrume dos fios. Os pés tinham asas, ignoravam obstáculos e “nãos”. Ela tinha o nariz empinado, pronto para esnobar caras feias e a maldade do mundo. Com o mundo nas palmas das mãos, a menina parecia pronta para fazer a diferença e transformar o mais escuro dos corações em um campo florido.
            Tinha mil dentes na boca, de tanto que sorria. Espalhava seu riso pelo Planeta Azul a cada novo passo. E deixava em seu rastro flores frescas e doces de sinceridade. Para essa doce menina, a atmosfera cheirava a brigadeiro e as nuvens tinham gosto de algodão doce. Ou sorvete! Ou os dois juntos! Enxergava uma nova chance a cada esquina, uma nova oportunidade de ser melhor a cada passo. Para ela, cada esbarrão era a chance de um novo sorriso, mesmo que apologético. Ela tinha a estranha necessidade de compartilhar sorrisos com quem cruzasse seu caminho. Acreditava que uma segunda chance não era tão cara assim, e que sonhos divididos podiam ser muito maiores e mais bonitos.
            Sim, ela sonhava acordada. Não acreditava que sonhos aconteciam só na nossa mente. Para ela, até mesmo as mentirinhas que contamos eram sonhos fantasiados. Não que não visse maldade, mas sempre procurava ver primeiro o que havia de bom. Afinal, defeitos, todos sabem apontar. Ela gostava de qualidades, da vontade de ser melhor e da autenticidade que cada um, no fundo, tem.
            Ela era juventude, viva mesmo com o passar dos anos. Na verdade, quanto mais os anos passavam, mais jovem ela era. Ela renascia com o sol, todos os dias; e ainda sabia degustar a Lua pela noite. Desabrochava como flor no coração de uma nova pessoa sempre que havia o desejo de lutar por algo melhor. Ela era fé, correndo atrás de seus sonhos e acreditando, mesmo quando parecia ser impossível. Ela era inocência, perseguia borboletas e desejava - quem sabe um dia - voar como elas. Acreditava em fadas, em anjos e em gnomos (qual criança nunca acreditou?).
            Não julgue a pequena menina. Deixe que, por hoje, ela também habite o seu coração. Dance junto com ela ao redor de uma fogueira, cultuando o calor gostoso do fogo ou corra com ela através de colinas, em busca das flores mais bonitas para enfeitar a sua vida. Entregue-se a ela, por um momento, e volte a acreditar que o melhor lugar do mundo ainda é colo de mãe. Deixe que ela te guie por essas ruas turbulentas, em meio à sujeira da raça humana, mostrando-lhe que sim!, sim, ainda há motivos para acreditar, para fazer do nossos mundo um lugar melhor. Conceda-lhe um sorriso, uma dança. Não deixe de acreditar nessa pequena menina com olhos de esperança.

janeiro 10, 2013

Minha Casa


            São 16:33, eu tenho um coração partido e vários problemas de álgebra pra resolver. Também tenho os meus próprios problemas, alguns que começam com seu nome, outros que resumem-se em um pouco mais de responsabilidade, outros que vem rotulados com a minha família, meus medos... São vários frascos de problemas espalhados por essa estante. Juntos deles, drogas de todos os tipos. Para dor, para febre, falta de ar e antipatia.
            Claro, eu também tenho aquela droga de “amor ao próximo”. Funciona, mas só até alguém descobrir que ele o efeito é causa de medicação, e não de quem você é. Mande tal pessoa engolir o próprio punho e as coisas se resolvem. É interessante o que as pessoas podem fazer com punhos...
            Além de todos esses problemas e toda essa medicação ilegal, eu tenho um punhado de sonhos. Doces de todos os sabores e recheios diversos, creme, chocolate, doce de leite e chantili. Tem aquela tal viagem à Paris, um tour pelo norte da Europa, manequim 38 e comer sem engordar. Também temos recheios de “viver um grande amor de verão” e “não me magoar por motivos bobos”. Eu deveria abrir uma confeitaria.
            Resolvi colecionar facas de um tempo pra cá. Facas pra cortar queijo, maçã e alho. Facas para repartir meus sonhos. Facas para cortar o comprimido na metade e tomar a dose certa – não que eu use muito essa função. Faca para arrancar cabeças. E olhos. E escalpos. Eu gosto dessa função “cortar escalpos”. Claro que muita gente não sabe o que é escalpo, apesar de ter um.
            Eu tenho uma coleção de nomes que cortei da minha vida, e que se cortaram sozinhos. Tenho uma outra coleção de nomes que ainda quero cortar, mas ainda não me decidi. Aliás, comecei um capítulo de “indecisões” no livro da minha vida. Ainda não tenho certeza se gosto, ou não.
            Fiz uma lista de gente que eu poderia vir a amar, mas não amo. Também tenho uma lista de celebridades com quem eu gostaria de transar, livros que eu gostaria de ler, doces que eu quero provar e gente que eu quero enforcar.
            Eu quero ser dona de uma confeitaria.