fevereiro 18, 2013

Um passarinho e um céu nublado


            Papel e Grafite sempre foram bons amigos. Mais do que isso, sempre foram os melhores amigos de um pequeno passarinho. Enquanto a pequena ave não tornava-se grande o suficiente para voar, as palavras lhe mostravam a doçura das nuvens, o gosto do Sol lambendo-lhe as costas e aquecendo-lhe a alma. As palavras ensinaram ao pequeno ser alado o quão minúsculo ele era em meio às silabas, pronúncias, idiomas, formas de acentuação e pontuação... Depois de tanto conviver com seus melhores amigos, o passarinho realmente compreendia e abraçava a sua pequenez, grato por ter dois amigos infinitos que lhe serviam de escudo contra as coisas assustadoras do mundo que ele não conhecia; amigos tão grandes que eram capazes de traduzir em palavras doces a beleza e imensidão do mundo que ele não estava pronto para conhecer.
            Conforme o tempo passava, essa amizade crescia, os laços se estreitavam e era quase impossível ver o pequeno pássaro sem seus fiéis amigos. Grafite e Papel faziam questão de ensinar ao pequeno o quão doce e bonito o mundo poderia ser. Era com palavras cálidas que o mundo tornava-se sonho para o doce passarinho. Era com fome que a avezinha abraçava a realidade cantada por seus amigos, cada vez mais ávido para provar de toda aquela beleza com os próprios dedos.
            Demorou para que o dia tão esperado chegasse. A pequena ave era só sorrisos. Despediu-se com carinho dos familiares, dos sonhos de criança e do ursinho de pelúcia que usava como travesseiro. Ele disse adeus à cama quentinha, à comida da mãe e aos joelhos ralados.
            E ele lançou-se ao doce mundo!
            Mas o mundo não lhe recebeu com a candura prometida... Houve logo uma chuva torrencial que o impedia de enxergar o que havia à frente. Ou abaixo. Ou ao lado! Os raios e trovões o assustavam, o vento o tirava da rota traçada e confundia a viagem do pássaro. Tudo o que houve foi um baque. Uma batida. Um “pow” quase inaudível na chuva de sons que era aquela tempestade. O som de trovão dentro do pequeno crânio do pássaro. Ele caiu, inconsciente.
            Acordou muito depois, acolhido nos braços de alguém que não era sua mãe. No meio da confusão que o levara até ali, ele perdera-se dos amigos. Soube por uma boca desconhecida que o Grafite havia-se quebrado em vários pedaços. E que o Papel havia se desmanchado com a chuva.
            O pequeno pássaro nunca se sentira tão triste em toda a vida. Estava perdido ali, não sabia como voltar para a casa. E estava machucado, uma de suas asinhas estava quebrada. Não sabia nem se conseguiria chegar em casa naquele estado. Seu coração estava partido e solitário em meio àquele monte de gente desconhecida. Ele quis chorar, e chorar e chorar. Mas lembrou-se da promessa de um Sol carinhoso que lhe aqueceria e levaria embora a tristeza. Com isso em mente, tratou de conseguir um lugar para ficar.
            Logo as pessoas ali tornaram-se amigas do passarinho, que cantava todos os dias para alegrar seus companheiros. Ele contava as histórias que ouvira de seus amigos, e todos pareciam surpreendidos.
“Papel e Grafite deviam estar contanto histórias de outro mundo!” Era o burburinho que corria a massa quando o passarinho começava com suas histórias. Logo, as pessoas o chamavam de louco pelas costas. Quando ele vinha chegando, tratavam de se afastar com alguma desculpa esfarrapada.
“Alguém tão bobo que acredita que as nuvens tem gosto não merece nossa atenção”, era o que murmuravam as senhoras, saindo das janelas quando a criatura pequenina e assustada passava por perto.
Sim, o pássaro estava assustado! Aquelas pessoas se diziam suas amigas... E agora... Bem, agora ele era tratado daquela forma. Sempre que começava a falar, riam dele. Apontavam-lhe os dedos acusadores, chamando-o de bobo, infantil e esquisito. As crianças já começavam a perguntar às mães quem era aquele cara estranho, que tinha um bico e coisas parecidas com braços, mas que serviam para voar. As mães, sempre muito sinceras, diziam que aquele passarinho indefeso era um monstro, que eles deviam manter-se longe dele!
E o pobre passarinho morria de solidão a cada novo dia. Ele sentia falta de quando tinha amigos, do carinho que recebia deles, das palavras de consolo... As palavras... Papel e Grafite sempre souberam como remendar as feridas bobas do coração de criança. Essas novas feridas, de adulto, eram mais profundas, mais doídas. E o passarinho não sabia exatamente como curá-las. Ele tinha medo de que não curassem nunca.
Durante uma noite e um dia, o pássaro chorou. Ele soluçava e rezava ao Sol para vir, lamber-lhe as costas e, quem sabe, limpar um pouquinho os machucados que impregnavam seu coração. Ele continuou rezando.
Até que uma nuvem de leite condensado ouviu suas preces. Desceu até a cidade da Desolação, onde o pequeno passarinho vivia, e lhe curou a asa machucada enquanto ele dormia. Ao lado do corpo miúdo, ela deixou duas moedas de prata.
Quando o pequeno pássaro acordou e percebeu que estava curado, ele chorou de alegria, agradecendo aos céus por estar de volta. Beijou as duas moedas e colocou-as numa mochila. Sem demora, o passarinho voou para longe daquela cidade de pessoas más. Ele voou para longe daquelas pessoas ruins, que insistiam em açoitá-lo mesmo quando ele já estava esgotado.
Por dois dias, ele voou. Voou sem parar nem para comer. E quando finalmente encontrou o que queria, pousou com lágrimas nos olhos. Ele sentou-se na grama e observou o que procurava por algumas horas.
- Vocês foram meus melhores amigos... Eu sinto falta de vocês. Estou ainda muito ferido por dentro. Estou dolorido até minha alma! Já não sei se posso amar alguém como amei vocês, nem com a mesma intensidade. Eu sinto falta do que me ensinaram, do mundo que me mostraram e que nem pude conhecer... – Chorou o passarinho, desolado, enquanto olhava os restos de seus amigos.
Foi quando uma fada apareceu diante do pequenino.
- Eles eram seus amigos? – perguntou a fadinha, doce em sua fala de criança.
O passarinho assentiu com um movimento desesperado de cabeça.
- Os melhores do mundo? – insistiu a fadinha.
Novamente, o passarinho assentiu.
- Você sente falta deles? – ela era incansável.
Foi quando o passarinho começou a chorar. De dor, de saudades, de cansaço. A fadinha sentou-se ao lado dele e esperou que ele terminasse de chorar. Fazendo cafuné no passarinho, a fada sorriu para ele.
- Eu posso te trazer de volta uma parte deles, passarinho. Mas vai lhe custar duas moedas de prata. – Sorriu a fadinha.
E então, o passarinho notou o quanto fora abençoado. Entregou as duas moedas que encontrara ao acordar e ajoelhou-se diante da fada.
Com um movimento delicado, a fada criou um caderno que não tinha fim e um lápis que não se quebrava nunca. Entregou ao passarinho e lhe beijou o coração.
- Você não está mais perdido agora, passarinho. Com o coração dos seus amigos, você pode voltar para casa.
E a fada desapareceu no ar.
Mas, ao invés de voltar para casa, o passarinho passou a escrever tudo o que seus amigos, Papel e Grafite, lhe ensinaram. Todas as cores do mundo, todos os bons sons, todos os sonhos, todos os sabores e todos os amores também. Quando terminou, o passarinho distribuiu seus sonhos por aí. Dizem que ele nunca mais se importou com o que diziam sobre ele. Porque agora ele tinha o que precisava, ele tinha suas palavras. E as palavras são as melhores amigas de um homem. 

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