novembro 09, 2012

Rosas


            Em um reino muito distante, havia uma linda rainha. Os cabelos dourados da bela caiam em cascatas pelas costas. E seu olhar doce encantava a todos. Essa rainha possuía três filhas e um segredo. Ira, Volúpia e Farsa. Eram três lindas meninas, três guerreiras letais e três aliadas fatais.
            As três princesas não possuíam nenhum princípio, bem como a rainha. Naquele reino, havia fome e faltava tudo, inclusive o amor dentro dos corações dos camponeses. Nem mesmo o padre sabia dizer o que era esperança. Nem mesmo Deus fazia sentido ali. A única autoridade era a Rainha. E os únicos desejos que eram levados em conta eram os das três princesas.
            Longe dali, havia uma jovem que morava bem no meio da floresta, escondida do mundo, reclusa. Alguns a consideravam louca, mas os poucos que tinham o prazer de conhece-la sabiam que era a criatura mais amável que existia. A jovem tinha cabelos muito negros, que iam até a cintura e que emolduravam de forma delicada o rosto em formato de coração, com cachos que tinham vontade própria.
            Essa jovem não tinha filhos, muito menos um marido. Ela era sozinha e trazia consigo sempre um colar com três pingentes e três pedras preciosas. Secretamente, aquelas pedrinhas eram desejos concedidos por fadas. Três fadas a haviam abençoado muito tempo atrás. E ela carregava aquelas bênçãos sem ainda saber o que eram. Secretamente, cada bênção levava um nome: Tranquila, Virgínia e Alma. Eram os nomes das três fadas. O segredo para que aquelas bênçãos fossem transformadas em coisas reais, era a fé que existia no coração da jovem camponesa.
            Em um lindo dia de verão, em sua cabana, a jovem morena estava colocando flores em um jarro que ela mesma havia feito. Foi quando um grito terrível cortou o ar. Havia dor naquele grito, havia medo. 
            O jarro espatifou-se no chão enquanto a camponesa procurava por algum tipo de arma com o que se defender. Assim que achou uma faca, pouco afiada e que ela mal conseguia empunhar, batidas desesperadas soaram em sua porta.
            - Socorro! Socorro! Ajude-me, por favor! – Era um choro tão doído, que o coração da jovenzinha apertou dentro do peito. Com mãos trêmulas, ela abriu a porta.
            Apavorada e tremendo muito, com alguns rasgões na roupa real, entrou a princesa Ira, que cambaleou, caindo no chão. Rapidamente, a camponesa fechou a porta e ajoelhou-se para ajudar a princesa.
            - Oh, céus! O que aconteceu? – Soluçou a camponesa, largando a faca e já se prontificando em curar as feridas da princesa.
            Com onomatopeias e hipérboles, Ira contou-lhe tudo o que havia acontecido. Contou que fora atacada por um senhor, e que ele pretendia arrancar-lhe o coração. O motivo de tal vontade, a princesa nunca contou.
            Ira ficou ali até que estivesse curada. E, num dia chuvoso, a camponesa saiu para colher frutos. Revoltada por ter ficado sozinha e por ter sido recebida com tanta simplicidade, ignorando completamente a boa vontade da camponesa e o carinho que lhe havia sido dedicado, Ira ateou fogo à pequena cabana e saiu dali, voltando para seu castelo.
            Quando a jovem de cabelos negros voltou para o lar, encontrou apenas destroços e cinzas. Sem ter mais onde morar, recuperou o que pode dali e voltou para os domínios da Rainha de Cabelos Dourados. Ali, ela foi bem recebida por uma família, que lhe deu de comer e beber.
            O tempo foi passando e a camponesa criou o hábito de, todas as noites, contar histórias para os habitantes do reino. Toda noite havia uma fogueira. A pouca comida era repartida e ali, todos tinham bons momentos de alegria e diversão.
            Quem não gostou desse fato, foi a mãe das três princesas. A rainha ficou muito, muito brava por saber que alguém andava divertindo suas pessoas. Todos eles deveriam sofrer! Afinal, a rainha tinha um segredo: ela, na verdade, era uma fada que havia sido exilada por ser muito má. Enquanto as pessoas de seu reino sofressem e sentissem dor, ela seria forte e conseguiria dominar o povo. Cada uma das três princesas era, na verdade, uma fada. As três fadas haviam sido corrompidas pela maldade da Rainha. E agora só podiam servi-la e a mais ninguém. Elas jamais seriam livres novamente.
            A jovem camponesa era abençoada e, aos poucos, foi tratando das feridas e dos medos daqueles homens e mulheres. Com paciência e dedicação, ela havia cativado cada um ali. Ela também havia conquistado o ódio da rainha.
            Assim que o Outono chegou, com suas temperaturas mais amenas, a rainha ordenou:
            - Matem-na! Levem-na para a fogueira, aquela bruxa! Queimem-na! Quero ouvir seus gritos de agonia! – A risada que seguiu essa ordem foi realmente má. Má do tipo que arrepia quem ouve e que assusta até mesmo os animaizinhos.
            Os guardas, mesmo contrariados, seguiram suas ordens. Assim que se aproximaram da camponesa, a população se revoltou. Defenderam a jovem de cabelos negros e, aquele foi o estopim de uma guerra. Todos os homens de bem, fossem ferreiros ou vaqueiros, se ajoelharam diante da camponesa.
            O sorriso que tomou os lábios carnudos e vermelhos da jovem foi o mais lindo já visto. Os três pingentes em seu pescoço esquentaram, brilhando, como se concordando com a reverência do povo.
            A rainha reuniu os poucos homens que ainda desejavam servi-la e preparou-se para a guerra. Ela colocou um lindo vestido de metal e aconselhou suas filhas a fazerem o mesmo. Elas se protegeram com o que podiam e acreditaram que poderiam vencer a guerra, por serem poderosas e por terem governado por tanto tempo.
            No embate dos dois exércitos, Ira foi atingida. E mesmo tendo pecado contra a camponesa, esta ajoelhou-se a seu lado e usou uma das bênçãos para curá-la. Um dos pingentes quebrou-se e, derretendo o vestido de metal e saindo do corpo da princesa, uma linda fada de asas verdes apareceu. A camponesa havia libertado uma das fadas.
            Para defender-se, a rainha desviou-se de uma lança, deixando Volúpia em sua mira. A segunda princesa foi atingida, e teria morrido se a camponesa não houvesse ajoelhado a seu lado. Com uma prece silenciosa, o segundo pingente quebrou e o segundo vestido de metal derreteu. Outra fada estava liberta, e essa tinha asas muito azuis, bem como os olhos.
            O derramamento de sangue continuou até que Farsa simulou um afogamento. Todos se mobilizaram para salvar a princesa. E quando um dos soldados da camponesa segurou-a, Farsa atacou-o, rasgando-lhe a garganta com um punhal.
            Depois de sair do lago, a última princesa caminhou até a camponesa e investiu um golpe certeiro em seu coração. Mas nesse momento, o terceiro pingente partiu-se. Os minúsculos estilhaços atingiram os olhos de Farsa, que caiu no chão. O último vestido de metal derreteu. De dentro da princesa maligna, saiu a última fada, com asas cor de rosa como o anoitecer de um dia muito frio.
            Enraivecida com a destruição de suas três filhas e com a liberdade das três fadas que lhes davam a vida, a Rainha bufou. Ela cortou o campo de batalha, desviando-se de flechas, lanças, machados e golpes, matando quem ousasse interpor seu caminho. E conforme ela marchava, linda e cruel, os cabelos dourados esvoaçavam com o vento, mesclando-se com o elmo que a monarca usava. Em questão de minutos ela estava diante da Camponesa.
            O embate ali era verdadeiro. Dali sairia apenas uma vitoriosa, apenas uma Rainha seria reconhecida naquele reino. E todos os camponeses pararam para observar o embate das duas belas mulheres. O dourado e o negro enfrentando-se diretamente. O olhar inocente e dissimulado de uma, o olhar de gavião, atento e certeiro da outra, num encontro direto.
            Mas antes mesmo que as rainhas pudessem empunhar suas armas, a terra tremeu. Do chão, brotou uma linda rosa. Uma rosa cor de sangue, tingida com gotinhas de vermelho que pareciam vir de lugar algum. A plateia observou boquiaberta tal milagre acontecer, sem motivo e sem explicação, bem diante de seus olhos. Todas as armas foram largadas no chão. Todos ali entenderam que a rosa era a sentença final.
            Quando todos os olhos se fecharam e todas as respirações foram suspensas, o primeiro golpe retumbou no céu. O confronto havia começado. Era possível ouvir os espinhos chocando-se, fazendo ecoar um som frio de espada. Delicadamente, as rosas usadas de armas por ambas as rainhas cortavam o ar, quase como num balé. Até que a rosa vermelha caiu. Junto dela, nenhuma rainha desmanchou-se.
            Junto da rosa que tocou o chão, a bondade retornou a Rainha de Cabelos Dourados.
E no céu cinzento do campo de batalha, cabelos muito negros e um sorriso muito sincero marcaram o coração de cada um presente ali. A nova Rainha subiu ao trono com ovação. E a maldade jamais voltou a rondar aquele povo. 

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